Dom Quixote em Quéchua


Dom Quixote continua viajando e agora pode ser lido em Quéchua



“Huh kiti, La Mancha llahta sutiyuhpin, mana yuyarina markapi”

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Não se espante, prezado leitor. Trata-se apenas da primeira frase do famoso livro Yachay sapa wiraqucha dun Qvixote Manchamantan. Não conhece? Não sacou o Quixote aí no meio?

Pois é mesmo O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha, traduzido para a língua que os contemporâneos de D. Miguel de Cervantes massacraram e escravizaram lá nos cocorutos de uma cordilheira tão longe das planícies manchegas que ao engenhoso Dom Quixote pareceriam ser obras dos gigantes, ou talvez um sonho da garbosa senhora Dulcineia del Toboso. Pois agora o quéchua ganhou uma tradução do grande romance.

Don Demétrio Túpac Yupanqui, o tradutor
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O senhor Demétrio Túpac Yupanqui, com 91 anos de idade, completou a tradução do romance de Cervantes. É professor de quéchua em Lima. 

A edição é enriquecida com ilustrações de um artesão de San Juan de Sarhua, povoado de Ayacucho conhecido pela produção de retablos e com uma tradição de ilustradores muito forte.
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Conta dom Demétrio que fez a tradução a instâncias de um jornalista basco que o visitou no Cuzco, há alguns anos, e lançou o desafio. Para enfrentar a tarefa, consultou dicionários antigos de castelhano, catecismos e sermonários.

O romance de Cervantes viajou para a América logo depois de publicado. Na Apresentação da edição comemorativa do IV Centenário de sua publicação, a Real Academia de la Lengua informa que “fresca todavía la tinta de la impresión del Quijote, en la primera mitad de 1605 salieron para America cientos de ejemplares de la novela. Irving Leonard cuenta como doscientos sessenta y dos fueron, a bordo del Espíritu Santo, a México, y que un librero de Alcalá, Juan de Sarriá, remitió a um socio de Lima sessenta bultos de mercancia que viajaron en el Nuestra Señora del Rosario a Cartagena de Indias y de ali a Portobello, Panamá y El Callao hasta legar a su destino”.

Já comentei a importância das traduções para que o livro “viaje”. Traduções que acompanham o trabalho dos editores, aqui.

Com a tradução para o quéchua, a viagem do Engenhoso Fidalgo cumpre mais uma etapa de seu reconhecimento mundial.

Veja aqui a notícia publicada em um jornal limenho e aqui, via YouTube, uma entrevista com o tradutor para o quéchua.

O curioso é que, pesquisando para redigir este post, acabei achando outra versão em quéchua da obra de Cervantes. O quéchua possui várias vertentes dialetais, algumas já bastante distantes do original cusquenho, frutos da dispersão geográfica que já era promovida pelos próprios Incas. Com a extinção do império e o isolamento de algumas dessas comunidades, essas versões foram surgindo à tona e apresentando dificuldades várias para o estabelecimento de um alfabeto e gramática unificados. É uma polêmica que continua viva entre linguistas. Os que falam quéchua, falam o seu e pronto.

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Aqui
, por exemplo, temos uma tradução para a versão de Santiago del Estero, no noroeste argentino.

Agradeço a meu amigo José Bessa o envio do recorte do jornal peruano com a notícia.

 

 

 

[Confira este e outros artigos de Felipe Lindoso sobre o Mercado Editorial em http://oxisdoproblema.com.br/ ]

 

 

 

 

 

 

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Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, Diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil Pode Ser um País de Leitores? Política para a Cultura, Política para o Livro, pela Summus Editorial. Site: http://oxisdoproblema.com.br/ E- mail: felipe.jose.lindoso@gmail.com




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