Da velhice e do tempo


DOIS POEMAS

na voz de dois Prémios Nobel

 


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Descrição honesta de mim próprio bebendo
um whisky no aeroporto, digamos, de Mineápolis


Os meus ouvidos escutam cada vez menos as conversas, os meus

olhos enfraquecem, continuando porém insaciados.

 

Vejo as pernas delas de mini-saia, de calças,

ou de tecidos vaporosos,

 

Espreito cada uma, os seus rabos e côxas, pensativo,

embalado por sonhos porno.

 

Ó lascivo velho jarreta, estás com os pés para a cova

e não para os jogos e brincadeiras da juventude.

 

Mas não é verdade, faço aquilo que sempre fiz,

compondo as cenas desta terra, movido pela

imaginação erótica.

 

Não desejo justamente estas criaturas, desejo tudo,

e elas são como um sinal de convívio extático.

 

Não tenho culpa de sermos feitos assim, metade de

contemplação

desinteressada e metade de apetite.

 

Se depois de morrer for para o Céu, lá, terá de ser como aqui,

apenas hei-de livrar-me dos sentidos entorpecidos

e dos ossos pesados.

 

Transformado em puro olhar, continuarei a absorver

as proporções

do corpo humano, a cor dos lírios, a rua parisiense

na madrugada de Junho.

Enfim, toda a inconcebível, a inconcebível pluralidade

das coisas visíveis.

 

Czeslaw Milosz

[Saiba mais sobre o poeta, aqui]

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***

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A curta vida de nossos antepassados
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Poucos chegavam aos trinta.

A velhice era privilégio das pedras e das árvores.

A infância durava tanto quanto a dos lobos.

Tinham de apressar-se, acompanhar a vida

antes de o sol se pôr,

antes da primeira neve cair.

 

Progenitoras de treze anos,

meninos de quatro a andar aos ninhos pelos juncais,

aos vinte, batedores de caçadas,

ainda mal eram gente e logo deixavam de o ser.

Os extremos do infinito rapidamente se tocavam.

As bruxas mastigavam palavras mágicas

ainda com todos os dentes da juventude.

O filho amadurecia aos olhos do pai,

mas era a caveira do avô que via o filho nascer.

 

De resto, não contavam os anos.

Contavam redes, tachos, tendas e machados.

O tempo, tão generoso com as estrelas do céu,

estendia-lhes uma mão cheia de nada

para logo a retirar como que arrependido.

Mais um passo, mais dois

ao longo do rio refulgente,

que nas trevas nasce e nas trevas se perde.

 

Não havia um instante a perder,

perguntas adiadas ou revelações tardias,

se não tivessem já sido vividas.

A sabedoria não podia esperar cabelos brancos,

tinha que ver com clareza antes de se fazer luz,

ouvir toda a voz antes de se propagar.

 

O bem e o mal,

pouco dele sabiam, porém tudo:

quando o mal triunfa, o bem oculta-se;

quando o bem se manifesta, o mal fica à espreita.

Um e outro invencíveis,

inseparáveis de uma vez para sempre.

E por isso, na alegria – a angústia misturada,

no desespero – sempre uma esperança calada.

A vida, mesmo a mais longa, será sempre curta.

Curta demais, para aqui algo acrescentar.

 

Wislawa Szymborska

[saiba mais sobre a poeta, aqui]

 

 

 

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[Poemas extraídos por Nicolau Saião da antologia Alguns gostam de poesia – Cavalo de Ferro Editora (Portugal); Traduções de Elzbieta Milewska e Sergio das Neves]

 

 

 

 

 




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