Cuba entre viagens e literaturas


…………….Cuba em alguns momentos, entre viagens e literaturas

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Final de 2016, em meio a tantos acontecimentos que afetaram diretamente quem partilha do pensamento político de esquerda, talvez o mais significativo seja o falecimento de Fidel Castro, no dia 25 de novembro. Não vou me deter justificando porque isso é importante, nem fazendo apologias ou detrações do homem público que Fidel Castro foi. Prefiro fazer um panorama pessoal de como conheci Cuba, dos bancos da escola aos da universidade, entre viagens e livros, até cumprimentar pessoalmente o velho revolucionário quando, em meados da década de 90, passei uma semana na ilha.

Estudei em um colégio bastante reacionário: nas aulas de História, Cuba não passava de país traidor da união latino-americana em torno do capitalismo; durante o ensino médio, não havia menções a Fidel Castro ou Ernesto Che Guevara. Nos tempos da faculdade, porém, o movimento estudantil e alguns professores esclarecidos se encarregavam de suprir essas faltas; em meio às obras clássicas de Marx, Engels e Reich, cheguei a ler “Cuba de Fidel”, do Inácio de Loyola Brandão, “Recordações de amar em Cuba”, do Oswaldo França Júnior e o “Diário da Bolívia”, do Ernesto Che Guevara. Mais tarde, durante o mestrado, visitei Cuba nos anos 90 e fiquei uma semana na ilha devido a um congresso de literatura. Foi nessa oportunidade que conheci um país socialista e cumprimentei, pessoalmente, o ditador Fidel Castro.

Isso não foi difícil, todo caudilho gosta de ser popular. No palácio de convenções em que fora sediado o congresso, Fidel abria todos os seminários com seus discursos; no final, o chefe de Estado, diante de alguns curiosos, estendia a mão, como a maioria dos políticos. Ele vinha cercado por militares e senhoras bem pouco revolucionárias, clamando pelo “comandante”, mesmo assim consegui me infiltrar e apertei-lhe a mão.

Cuba é repleta de anedotas assim…

Os hotéis ficam isolados do centro de Havana; construídos para turistas, eles contrastam com a cidade em frangalhos que, mesmo assim, ainda é belíssima. O sistema de transporte público não funcionava muito bem na ilha, por isso mesmo havia uma frota de taxis particulares, à espera, prontos para ajudar; terminei fazendo amizade com um dos motoristas, o senhor Eduardo.

Daqueles contatos vividos brevemente, vale a pena lembrar de três conversas. Certo dia, enquanto caminhava pela rua de Havana, um rapaz assediou minha esposa – na época, ainda era casado –, mas quando me notou a seu lado, não tardou em se desculpar comigo. A primeira nota de machismo está na abordagem indevida; a segunda, em haver se desculpado comigo, e não com ela, como se eu fosse seu dono. Mesmo assim, parecia um gesto educado; entretanto, quando comentei com Eduardo, ele me respondeu: “ele não foi educado, foi medroso; ele teve medo de você, isso aqui dá morte”.

Por falar em morte… naqueles anos, na TV Bandeirantes, ia ao ar o programa de humor “Agildo no País das Maravilhas”, em que o ator Agildo Ribeiro contracenava com bonecos de políticos e outras personalidades do cenário mundial. Entre o elenco de bonecos, havia um de Fidel. Comentei com Eduardo, no que ele replicou: “aqui, se fazem um boneco de Fidel, estariam mortos”.

Eduardo falava Inglês e Russo, era formado em engenharia, fizera pós-graduação em engenharia mecânica na antiga URSS. Quando lhe perguntei se havia campo para isso em Cuba, ironicamente, ele me apontou o taxi: “uso o que aprendi para arrumar esse carro velho”.

Machismo, censura, subempregos… afinal de contas, o que teria acontecido conosco, os revolucionários? Ao ficar quarenta e nove anos no poder sem convocar eleições, passando o cargo de comandante, em atitude deploravelmente nepotista, para o primo Raúl Castro, teria a revolução cubana dado origem a uma demência política, que se poderia chamar “monarquia de esquerda”?

Se o fascismo é nocivo, entre outros defeitos, é por sua idolatria irracional ao redor de líderes que, sem exceção alguma, apresentam graus diferentes de sofrimento psíquico. Evidentemente, Fidel Castro não pode ser confundido com Adolf Hitler, Benito Mussolini, Imperador Hiroito, Idi Amin, Charles Manson, mas ele termina por reproduzir a mesma decrepitude que buscara combater enquanto revolucionário, e nisso ele se aproxima de Stalin e Mao Tsé-Tung: Stalin termina por se comportar como Czar; Mao, como Mandarim; Fidel tornou-se outro caudilho latino americano. O que há de comum em todos eles? São todos homens e nenhum discute, em suas práxis, justamente aquilo que os manteve no poder: as estruturas do patriarcado; todos eles são pais de suas famílias, pais de seus povos e suas nações.

Buscando compreender as manifestações que colocaram Michel Temer na presidência do Brasil, reli “A psicologia de massas do fascismo”, de Wilhelm Reich. O livro foi publicado em 1933, tempos de guerra. Em linhas gerais, Reich aponta, nas teorias de esquerda, a total ausência de discussões a respeito dos malefícios psicossociais do patriarcado e da consequente repressão sexual de crianças, mulheres e adolescentes no surgimento do Führer, dello Duce, e, por extensão de suas conclusões, dos Comandantes Latino Americanos. Isso explica, em parte, porque em todas as ditaduras, independentemente das orientações políticas – sejam elas fascistas ou comunistas –, há sempre repressão sexual: para os fascistas, o sexo é imoral; para os comunistas, esse tema é burguês.

Os valores do patriarcado transcendem a Idade Moderna, seus significados são mais contagiosos do que se poderia imaginar. O próprio Reich, tão hábil em desmascarar tais processos de alienação ideológica, foi vítima deles no momento em que se identificou com Jesus Cristo, símbolo da subordinação dos filhos ao pai onipotente e da sagrada família, eternamente formada pelos chefes, os pais-patrões, e rainhas do lar. Recentemente, tal logo assumiu o poder, Michel Temer não tardou em expor-se ao lado da esposa, apresentada como “recatada” e “do lar”.

Entretanto, as defesas de Cuba continuam – li várias depois da morte do comandante –, do mesmo modo que, no início do século XX, comunistas defenderam o camarada Stalin e, em meados daquele século, defendiam o companheiro Mao. Ora, isso é indefensável… quem sabe, Fidel poderia nos ensinar a como não proceder, evitando fardas, discursos intermináveis, a fala grossa e o dedo em riste dos pais de família, sempre prontos para broncas e pequenas corrupções, até que elas se tornem grandes demais para esconder, até mesmo para quem acredita nas revoluções socialistas e ainda as defende.

 

 

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Antonio Vicente Seraphim Pietroforte nasceu em 1964, na cidade de São Paulo. Formou-se em Português e Lingüística na FFLCH-USP; fez o mestrado, o doutorado e a livre-docência em Semiótica, na mesma Faculdade, onde leciona desde 2002. Na área acadêmica, é autor de: Semiótica visual – os percursos do olharAnálise do texto visual – a construção da imagem;Tópicos de semiótica – modelos teóricos e aplicaçõesAnálise textual da história em quadrinhos – uma abordagem semiótica da obra de Luiz Gê. Na área literária, é autor de: – romances:Amsterdã SMIrmão Noite, irmã Lua; – contos: Papéis convulsos – poesias: O retrato do artista enquanto fogePalavra quase muroConcretos e delirantesOs tempos da diligência; – antologias: M(ai)S – antologia SadoMasoquista da Literatura Brasileira, organizada com o escritor Glauco Mattoso; Fomes de formas (poesias), composta com os poetas Paulo Scott, Marcelo Montenegro, Delmo Montenegro, Marcelo Sahea, Thiago Ponde de Morais, Luís Venegas, Caco Pontes, mais sete poetas contemporâneos; A musa chapada (poesias), composta com o poeta Ademir Assunção e o artista plástico Carlos Carah. E-mail: avpietroforte@hotmail.com




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