Crônica para o umbigo do poeta


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Pensava ter uma pá de opções, percebo que a única opção é escrever. Ficar colado ao computador. O vulcão interno, a explosão, a repetição de um monólogo inacabado é a vivissecção do passado sempre presente. O que é o presente? Um pacote bem embrulhado, com dedicatória e laço multicor?

Cada nova crônica é a confirmação mais que científica que o presente não existe.

Abandonei a universidade, não porque não estivesse preparado para ela. Ela é que não estava pronta para minha poesia. Sou a medida da minha poética. Quando entrei na universidade, a primeira coisa que fizeram foi pegar a trena e medir minha poesia. Mediram, deu 1mm, um milímetro de puro medo. Medo estampado no meu cabelo comprido, meu rosto pálido, meu corpo magro. Disseram, você está terminantemente proibido de entrar no departamento literário. Aliás, nem passe em frente. Seu medo pode ser contagioso. Minha poesia… Ia eu dizendo. Quem lhe deu o direito de chamar minha? Você é indizível. Você é uma chaga. Você é o dedo sujo na sopa de letrinhas dos nossos poetas. Nossos Poetas sim! São Mestres! Você é o aluno, quer dizer, você é o indizível. Nossos Mestres medem 100.000.000 de metros cada um deles. Então peguei meu (eu não posso chamar de meu!) 1mm, enrolei, meti de baixo do braço e fui embora.

Tenho enorme dificuldade em falar as palavras poesia e poema. Sou tagarela! Mas, na hora de falar uma dessas palavras, emudeço. Tento! TEnto! TENto! TENTo! TENTO! Cadê? Nada! Suo, ruborizo, encho a boca. Não dá! Poesia e Poema para mim são palavras sagradas. Seria mundano demais se me fosse permitido. Logo eu! O aluno!

Vivi uma emoção forte, tão forte quanto a pancada que Dom Quixote levou na cabeça. Desde então meu cabeção chato passou a ver estrelas, e eu pensei ser uma delas. Engoli o Rei e lutei com tudo que tinha e não tinha contra o papel em branco, contra o dedo parado no ar apontando para meu nariz, contra o velho que me botava para dormir lendo suas poesias. Mas o tempo foi passando, dez, vinte, trinta, quarenta, cinquenta anos e o dedo sempre apontado para mim. Proibindo-me de ir além do que estava escrito, de passear sozinho à noite. Todas as farras e bebedeiras eram em grupo, ai daquele que se embriagasse sozinho! Mas não me sinto sozinho agora, agora tenho o computador.

Poetas, o mundo não é o umbigo!

 

 

 

 

 

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Cláudio Portella (Fortaleza, 1972) é escritor, poeta, crítico literário e jornalista cultural. Autor dos livros Bingo! (2003), Melhores Poemas Patativa do Assaré (2006; 1ª reimpressão, 2011; Edição digital, 2012), Crack (2009), fodaleza.com (2009), As Vísceras (2010), Cego Aderaldo (2010), o livro dos epigramas & outros poemas (2011), Net (2011), Os papéis que meus pais jogaram fora (2013) e Cego Aderaldo: a vasta visão de um cantador (2013). Colabora em importantes publicações do Brasil e do exterior. Ganhou o concurso de conto da UBENY – União Brasileira de Escritores em Nova York.

 




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