Conan, o Bárbaro


 

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Um raro exemplo de remake que supera o original…

Independentemente dos recursos mais avançados de que o cinema dispõe hoje, Conan, o Bárbaro (2011), é uma refilmagem de um clássico do cinema de ação que consegue captar de forma muito mais profunda e precisa o clima dos quadrinhos que o inspirou. No original de 1980, que projetou Arnold Schwarznegger e rendeu, inclusive, uma continuação, faltou muito da ambientação da fantástica revista em quadrinhos. Com arte em preto e branco, desenhada por gênios como John Buscema, Ernie Chan e Alfredo Alcala, entre muitos outros, A Espada Selvagem de Conan (The Savage Sword of Conan) foi um marco dos comics da Marvel. E marcou época tanto nos EUA quanto no Brasil, onde, durante a década de 80, chegou a ser o carro-chefe das publicações da principal editora americana de HQs.

O que se questiona aqui, no entanto, é: adaptações de quadrinhos para o cinema ficam melhores quando se mantém a ideia original ou quando se cria uma linguagem nova, mais moderna e adequada ao cinema? Afora questões de mercado, bilheteria, patrocinadores etc, os produtores deveriam valorizar o mérito artístico do formato original? Neste caso, parece que a segunda premissa prevaleceu. Na versão dirigida por Nipel, é de impressionar como o diretor foi bem sucedido ao reproduzir o clima sombrio e violento de A Espada Selvagem, sem, contudo, cair na apelação. O mundo de Conan é violento (aliás, como é, foi, e sempre será o mundo real), e é também um mundo antigo, portanto, rude e obscuro.

A ambientação nessa segunda produção segue à risca essas características. Tanto na Ciméria como no mundo Hiboriano as instalações são rústicas, e as pessoas endurecidas. O ambiente das tavernas foi excelentemente bem estilizado, com a atmosfera devassa de libações e danças sensuais num cenário enfumaçado e iluminado parcamente por tochas. E a performance de Jason Momoa também supera a de Arnold, no que diz respeito à interpretação. Mesmo tendo um corpo bem menos desenvolvido que o protagonista de “O Exterminador do Futuro” ele soube incorporar características do herói cimério que Schwarznegger não foi capaz de dramatizar. O austríaco trouxe para a tela apenas o aspecto físico de Conan, um corpanzil esplêndido, mas que não resume a essência do guerreiro bárbaro.

A Espada Selvagem iniciava-se sempre com o célebre fragmento das Crônicas da Nemédia, em que os feitos do bárbaro errante que se tornou rei de uma nação civilizada eram cantados. Sujeito a enormes fases de melancolia e não menores fases de alegria, indica que Conan, a despeito de sua força prodigiosa e instintos selvagens, é uma personagem extremamente emotiva. Arnold não foi capaz de performatizar seu sorriso matreiro em conversas nada formais com meretrizes, ou o olhar arguto do guerreiro bronzeado a cobiçar as jóias de um templo sagrado para algum povo hiboriano, enquanto os acólitos, distraídos, louvavam respeitosamente suas divindades. Jason Momoa, embora iniciante e não sendo, cá entre nós, um talento singular, é mais expressivo e convincente, se pensarmos que Conan não é nem de longe um andróide assassino que obedece apenas à sua programação. Diga-se de passagem, o que me transformou em fã de Conan, o Bárbaro, ainda na minha tenra infância, foi justamente sua verossimilhança com um ser humano verdadeiro. O seu mundo é mítico, fantasioso, repleto de magia e monstros que às vezes chegam a picos de surrealismo. Entretanto, Conan é uma das personagens mais humanas dos quadrinhos, por conta de sua personalidade contrastante, seu humor volátil, sua maneira toda própria de julgar o mundo em que vive e as situações que a vida lhe apresenta. Nenhum homem é totalmente bom, nem totalmente mal, em sua essência. Grandes líderes religiosos ou políticos têm seus momentos de fraqueza e dúvida. Homens generosos e altruístas têm seus instantes de mesquinhez e usura. Criminosos incorrigíveis também possuem lapsos de compaixão, abnegação e generosidade. Conan possui uma personalidade composta por elementos bons e ruins, talvez pelo de fato de que, como declarou seu autor, Bob Howard, o guerreiro cimério ter sido uma composição de personalidades de homens que ele, um jovem Texano do interior, conheceu ao longo de sua breve vida (suicidou-se aos 30 anos, com um tiro na cabeça). Frequentando bares, docas e vários locais não muito salubres, Howard travou contato com toda sorte de homens, desde marinheiros e jogadores profissionais, até punguistas e criminosos perigosos. Observando a personalidade de muitos deles, o jovem escritor Texano extraiu diversas características de cada um, e no momento de conceber sua personagem, mesclou-as às aspirações positivas de sua própria personalidade de norteamericano médio, interiorano, cultivador de valores como lealdade, determinação e compromisso com a palavra dada. Conan é capaz de matar dezenas de homens e monstros infernais, de por abaixo um templo profano derrubando seus pilares com os próprios braços, de suportar a fome, o sol forte, a neve e o mar bravio com coragem e serenidade, mas chorou como uma criança, quando a mulher que amava morreu. Essa história (A Morte é Vermelha, ESC 57) é comovente e de uma dramaticidade única. Uma montanha de músculos, segurando uma formidável espada suja de sangue, olhando, com lágrimas nos olhos, o navio da pirata Bêlit se incendiando com o corpo de sua capitã.
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Voltando ao filme de 2011, outro aspecto que me agradou foi o design da produção. Sou um admirador do cinema de ação tradicional, e, embora entenda que a computação gráfica é uma ferramenta que veio para acrescentar, ainda dou preferência às boas e velhas maquetes, aos castelos e navios criados na raça e no talento dos miniaturistas. Os navios e os castelos do filme foram prodigiosamente feitos a mão, e, mesmo com o auxílio do computador, os cenários belíssimos não ficaram com aquele aspecto artificial de desenho animado, como acontece em filmes como 300 e o Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (os quais adoro, não me entendam mal). O roteiro também foi muito bem escrito, não apresentando as falhas da produção de 1980. A história começa com Conan já como um guerreiro experiente, que rumou para o mundo civilizado por opção, e que não fez da vingança seu único objetivo de vida. Também os locais principais em que viveu suas aventuras, com suas características naturais (a neve na Ciméria, o deserto e o mar) foram apresentados ao longo do filme de maneira convincente. Um ponto que achei interessante foi a mudança no título de uma das cidades: nos quadrinhos, existe no mundo Hiboriano Zamora, “a cidade dos ladrões”. Os produtores em 2011 preferiram transferir a perífrase para Asgalun. Talvez não seja difícil entender o porquê. Ao que me consta, existe uma cidade ou região na Espanha com o nome de Zamora, e acredito que, por conta disso, o roteirista preferiu fazer essa pequena mudança para não criar constrangimentos com o público espanhol. Enfim, nada que afete o andamento nem a compreensão da história. Outro ponto forte do filme e a tórrida cena de amor entre Conan e a sacerdotisa, que embora muito sensual, não caiu na vulgaridade.

Recomendo o filme para a garotada, para que conheçam essa personagem tão interessante, órfã, pois seu criador morreu deixando-a sem herdeiros,  com muitos roteiros incompletos, e que acabou sendo adotada por grandes escritores (Lin Carter, Sprague de Camp, que a usaram para criar histórias de cunho sócio-político) e principalmente pelo grande Roy Thomas, o melhor roteirista da Espada Selvagem, que nas “horas de folga” é nada mais nada menos do que Professor Universitário, lecionando Filosofia! Os mais jovens provavelmente assistirão ao filme classificando-o como mais uma produção do gênero “senhor dos anéis”. Para os fãs antigos, porém, essa refilmagem de 2011 é um presente inesperado que vai levá-los de volta à fantástica atmosfera de uma das maiores HQs já criadas.
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Cristiano Ávila é paulistano e formado em Letras pela Universidade de São Paulo. Escritor, poeta e músico amador, tem atuado profissionalmente na área da educação, sendo Professor de Português e Inglês há vários anos. Desenvolveu sua carreira principalmente em cursinhos e Ensino Médio, atuando também como tradutor e revisor.  Apresentou, juntamente com a jornalista Gisele Machado, o programa “Língua Solta”, pela All Tv, e mantém seu blog CRISWALKER, onde trabalha com crítica literária, analisando desde livros e peças teatrais até cartoons  e seriados de TV. Blogue: http://criswalker.blogspot.com.br/ E-mail: maucris7@yahoo.com.br




Comentários (2 comentários)

  1. Luis Fernando, A Espada Selvagem de Conan é um dos mais belos títulos para história em quadrinhos que já vi
    6 abril, 2012 as 18:22
  2. Felipe Araújo, Parabéns aos comentários do Sr. Cristiano que com fineza e ousadia conseguiu “diagnosticar” um excelente filme.
    28 junho, 2012 as 2:07

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