Clarice no JB


………O cérebro eletrônico e outras coisas segundo Clarice Lispector

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Clarice Lispector escrevia para o Jornal do Brasil, sempre aos sábados, de 1967 a 1973. Há de tudo um pouco, desde entrevistas, passando por comentários sobre política, até diálogos com grandes personalidades, como Tom Jobim, por exemplo. É Clarice para dar e vender, totalmente entregue, “escrevendo ao correr da máquina”, como a escritora mesmo registra.

São deliciosas as conversas com taxistas, além dos sustos inesperados do dia a dia: devido a um medo inconfessável da morte, um padre roga ajuda a Clarice. Na semana seguinte, Lispector publica a “Prece por um padre” e termina desejando ao sacerdote católico: “que tenha uma mão humana para apertar na hora de sua morte”. Em outro momento, elogia Fernanda Montenegro e Fauzi Arap: “excelentes”. Além disso, também não se isenta de debates recorrentes à época; agrade ou não, para Clarice, o palavrão faz parte da língua portuguesa. Não haveria, por isso, motivo para censura de peças de teatro. Logo, recebe a resposta da jovem atriz: “atualmente, em São Paulo se representa de arma no bolso. Polícia na porta dos teatros”, relata Montenegro. Os tempos eram difíceis, Clarice escrevendo cada vez mais rápido, como em pílulas, em um momento delicado da história do país.  Em determinada crônica, vai contra o maior sucesso de audiência da TV, não gostava de Chacrinha, achava-o pobre demais. Nas palavras da escritora carioca: “nossa televisão, com exceções, é pobre, além de superlotada de anúncios”. Depois desse episódio, também se desentenderia com o Ministro da Educação: “se o senhor soubesse do sacrifício que na maioria das vezes a família inteira faz para que um rapaz realize seu sonho, o de estudar”, escreveu em tom de desabafo comentando sobre as verbas destinadas à educação.

Como quem quer descobrir o mundo, mas, sobretudo, descobrir-se; Clarice segue tecendo por seis anos, parágrafo por parágrafo, aquilo que não considera como crônica, às vezes grito, às vezes paixão, mas geralmente ela própria: “a isso se chamaria talvez de narcismo mas eu chamaria de alegria de ser”, registrou a respeito de seu ofício.

Durante o período em atividade de sua coluna, no JB, a vida pessoal da escritora, sempre reservada, escapole pelas entrelinhas. Eis Clarice cronista: uma mulher elegante do Leme, de jantares, viagens, mas também de muito silêncio e pensamentos elétricos. Um dia, em um só ímpeto de coragem, convida o cantor Chico Buarque para jantar. Comenta a respeito com Carlinhos, um velho amigo: “quando meus filhos souberem que o vi, vão me respeitar mais”.

Por mais de uma vez, pelo que ainda me lembro, faz questão de deixar claro que escrever é uma maldição, um sempre fracassar. Em outra crônica, acrescenta: “mas uma maldição que salva”.

Nesse período de coluna semanal, a escritora publica até sobre cérebro eletrônico, a descoberta científica da década de 70. Pede ajuda, afinal, o assunto era de difícil trato. O cérebro eletrônico, para Clarice, constitui um verdadeiro mistério em toda sua álgebra e, no entanto, em páginas anteriores, ela já tinha escrito sobre o amor e sobre filhos que – convenhamos – são muito mais misteriosos.

 

 

 

 

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Pablo Miranda é professor de Literatura e bolsista em iniciação científica (ILE/UERJ). E-mail: pablomirandaum@yahoo.com.br

 

 




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