Bloqueio de escritor


 

O ofício literário é cheio de mitos bons e maus. Um dos piores é o “bloqueio do escritor” (“writer’s block”), o popular “branco”, que acontece quando o sujeito se vê meio que congelado, a mente imobilizada, incapaz de produzir uma única ideia, uma única frase. Eu sei o que é ficar empacado num conto ou num romance – aliás, tenho mais contos empacados do que contos publicados. Chega um ponto em que a gente não enxerga o que vai acontecer em seguida, ou enxerga mas não consegue encontrar o tom de voz adequado para dizê-lo. A gente para e vai fazer outra coisa, à espera de que o problema esteja resolvido na próxima vez em que a gente tentar. Às vezes se resolve sozinho. Geralmente, não.

O escritor Steven Brust, interrogado sobre o que faz quando lhe “dá o branco”, respondeu: “Externamente, ando pela casa pisando forte, dando olhares ameaçadores para todos, e ameaçando matar o cachorro, até que finalmente consigo desenganchar, e então tudo melhora, eu percebo o quanto estou me divertindo em escrever aquilo, peço desculpas a todo mundo que possa ter ofendido, e ameaço matar o cachorro. Por dentro, eu fico checando todos os conselhos que dou aos meus alunos sobre como visualizar a próxima cena (o que às vezes funciona). E digo para mim mesmo o tempo todo: você já passou por isso, é parte do processo, fica frio, vai dar certo. Releio o que escrevi até aquela altura. Examino listas de desdobramentos possíveis. Ou então ignoro o livro por completo e tento pensar em outras coisas. Escrevo críticas imaginárias na minha mente, culminando com o trecho em que o crítico imaginário diz: ‘Mas o melhor momento do livro é quando…’, e tento concluir a sentença descrevendo o trecho do livro que não estou conseguindo escrever. Cedo ou tarde, alguma combinação desses procedimentos funciona, e a vida volta a ser uma coisa boa. Exceto pelo cachorro. Continuo ameaçando livrar-me dele.”

O “branco” é uma combinação de indecisão intelectual e pavor emocional. Tem suas raízes no mesmo desvão psicológico onde se situa a “brochada”, a impotência sexual num indivíduo fisicamente capaz de executar o que pretende. É um pavor cumulativo, que tende a aumentar quando a vítima pensa: “não, não é possível, está acontecendo de novo, vai acontecer pelo resto da minha vida!”. Alguns escritores tiveram “brancos” que duraram anos ou décadas. Dashiell Hammett não escreveu mais nada entre 1934 (ano de seu último livro, “The Thin Man”) e sua morte em 1961. Alguns autores se retiram da literatura alegando insatisfação ou outro motivo. Quem nos garante que não são vítimas do “branco”, mas são orgulhosos demais para admitir?

 

 

 

 

 

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Braulio Tavares é escritor e compositor. Estudou cinema na Escola Superior de Cinema da Universidade Católica de Minas Gerais, é Pesquisador de literatura fantástica, compilou a primeira bibliografia do gênero na literatura brasileira, o Fantastic, Fantasy and Science Fiction Literature Catalog (Fundação Biblioteca Nacional, Rio, 1992). Publicou A máquina voadora, em 1994 e A espinha dorsal da memória, em 1996, entre outros. Escreve artigos diários no Jornal da Paraíba: http://jornaldaparaiba.globo.com/ Blog: http://mundofantasmo.blogspot.com/ E-mail:btavares13@terra.com.br

 




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