Black Bloc Forever


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Encerrando o pequeno ensaio onde analiso as manifestações de junho e suas irradiações, agora elaboro aqui uma defesa do movimento black bloc , não há nenhum problema em destruir aquilo que não deveria existir, esta parece ser a premissa dos Black Blocs, um enunciado profundamente lógico, quando o pensamento crítico analítico se transforma em uma ação direta, não vejo nisso  um excesso ou a materialização de impulsos niilistas de fundo infantil mas sim o oposto disso, me parecem na verdade intervenções da energia criadora a partir de um imaginário libertário que talvez em alguns momentos se alimente do desejo de vingança, se pensarmos que as grandes metrópoles foram fundadas sobre genocídios, massacres e espoliações, enfim fundadas pelo crime. Os Black Blocs poderiam substituir as máscaras por uniformes de soldados da PM e freiras e padres e criar assim um gigantesco happening. É dentro da dimensão do happening que acredito as ações dos Black Blocs sofreriam uma ampliação feroz, mais do que a força da destruição dos símbolos da opressão, o poder em seu centramento de violências organizadas como serviços, teme a ridicularização pela via do humor de seus símbolos, Hitler perseguiu primeiro os humoristas, uma das maiores fragilidades da estratégia bakuniniana de destruição dos símbolos do Estado é o excesso de seriedade trágica de seus membros, a dimensão épica de tais atos de valor que funcionam como proposições da criação através da destruição, o humor é uma das nossas maiores armas, agir em silêncio naquilo que um poema de Hilda Hilst chama de ‘lúcida vigília’ também seria uma outra estratégia interessante. O que podemos aferir de todas estas ações é que se abre agora uma nova dimensão e um novo campo para os Black Blocs, onde todos podem agir como artistas e perigosas fusões de bobos da corte com guerrilheiros psíquicos. Algumas causas como a do Wi-Fi aberto e a Internet livre para todos na prática e não em tese, o passe-livre, a desmilitarização das polícias e uma verdadeira autonomia deliberativa para os conselhos comunitários gerando um controle social  e o início do fim da sociedade de controle, se abrem para os Black Blocs como  vetor de ações cada vez mais pontuais, humorísticas e destrutivas, ações que são uma resposta aos massacres e genocídios patrocinados pelo Estado militarizado em zonas de exclusão, genocídios e massacres que deveriam gerar uma espécie de ‘Julgamento de Nuremberg’ no Brasil para os atuais governantes, os atuais e os anteriores. Longa vida aos Black Blocs! Como diz a canção ‘A face do destruidor’ da banda paulista Titãs: O construtor não pode construir porque o destruidor não destrói.

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Prefácio para o livro 70 poemas  de Ana Peluso
( no prelo pela Editora Patuá)

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Talvez não exista mesmo uma separação, uma dicotomia entre a vida e a arte, entre a poesia e a existência cotidiana, vida é vida e arte é arte dirão os mais puristas ou pretensamente pragmáticos,  neste 70 poemas as dicotomias entre uma coisa e outra caem por terra, os poemas deste livro se alimentam de uma certa perplexidade-espanto diante dos fatos do mundo, mas projetam na evocação destes fatos uma luz que torna visível o vazio de mudanças necessárias que operam cada vez mais no campo do insolúvel,   não estamos no território de um Drummond ou de um Neruda, não se trata da perplexidade que nasce de um eu trincado pela energia dos fatos, de um eu digamos como o que narra sutilmente o ensaio de Camus, O mito de Sísifo. Em 70 poemas comparece a irradiação de um pensamento que tenta comunicar com sucesso a impossibilidade de apreender o significado do mundo dos entes humanos no fim desse atalho para lugar nenhum que a humanidade tomou e que nesse começo de século se torna cada vez mais visível. Como uma espécie de R.A.P. minimalista , um tipo de narrativa vocal que se apresenta como uma crônica social do nosso tempo cujas siglas indicam as palavras Ritmo e Poesia como vetores, assim se apresentam alguns dos textos deste livro de Ana Peluso que como os rappers se utiliza do ritmo do pensamento analítico em uma chave de perplexidade ou de inquietude calma  casada com um furor abstrato quase imantado pela revolta e pela energia da recusa. O termo Poesia nos dias que podemos insuficientemente chamar  de atuais é muito  mais a força de uma musicalidade interna que projetamos no mundo e que o mundo ecoa em algumas palavras deslocadas de seu contexto original em arranjos capazes de criar novas estruturas de conhecimento da vida, os poemas deste livro cumprem bem este propósito. Obviamente o lirismo está aqui e ali, Ana pertence a esta família dos líricos por vocação e não líricos como um projeto estilístico, ela jamais diria de si mesmo, sou poeta, os líricos por vocação não se obrigam o uso de qualquer tipo de capa nominativa que os separe da vida por ser vivida ou que  separe esta vida do acontecer humano como uma enorme comunidade de singularidades chamada aqui na falta de uma palavra melhor de ‘leitores’ .

 

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Cultura em Santos e região ou mais do mesmo ou a lanterna no fundo do mar devorada pelos tubarões cegos ou da atualidade de Aristófanes

 

“A cidade e seu esqueleto múltiplo e inevitável, seus animais incendiados e turbilhões de fomes sem fim.”
Cláudio Willer

 

Tudo o que tenho para dizer sobre o tema já foi dito  na minha coluna anterior, a leitura de “Pluto ou um Deus chamado dinheiro”, de Aristófanes, é capaz de elucidar e iluminar muito mais do que qualquer coisa que eu ainda tenha a dizer sobre um tema tão batido. Esta peça de Aristófanes é uma lanterna no fundo do mar devorada pelos tubarões cegos.  É claro que uma montagem de “Pluto ou um Deus chamado dinheiro” seria como o vento batendo a porta do império dos carguinhos, não estou tão interessado assim em ser absolutamente compreensível, afinal a ditadura está aí, o nazismo psíquico está aí e temos de tomar cuidado – leiam nas entrelinhas o que estou tentado dizer, desde que Patrícia Galvão foi crucificada e bem antes do refrão “Eu só quero é ser feliz, viver tranqüilamente na favela em que eu nasci”  tocar as 2h35 da madrugada na Rádio Saudade FM, bem antes deste eventos pedagógicos, a cultura já estava na UTI da nossa alma. Isso soa um pouco parnasiano demais para parecer trans-pós-tudo.

Calma meus desconhecidos amigos e amigas, a mesma nostalgia paralisante que me obriga a usar o hífen vai apagar todas as luzes antes de instalarmos os interruptores da corrupção e dos esqueminhas.

Eu ia escrever um texto que iria soar menos surrealista e mais psicanalítico, mas a preguiça me pegou no meio do caminho, não foi o suficiente para me iluminar e ela veio sozinha sem o oportunismo galopante e por isso não fui indicado para nenhum carguinho. Eu iria recusar por uma questão de orgulho. Se eu não fosse um negro anarquista e orgulhoso, não estaria escrevendo essa coluna de graça, mas isto foi antes da crucificação de Maurice Legeard, que atenção, não foi nomeado Secretário da varredura das areias da praia do Gonzaga. Aliás proponho aqui para os dois ou três artistas em atividade, esta magnífica performance, vamos todos com vassouras em punho, varrer as areias da Praia como ato metafórico, como evento cultural psicomágico, mas a questão é terrivelmente óbvia, como Michel Foucault que, ao chegar no  Brasil para uma série de palestras, perguntou: “Onde  estão os negros?”, meus pontos de interrogação estão em São Paulo, exilados na megaprovíncia  e a pergunta vai escrita assim mesmo e entre aspas. Como Michel Foucault, que perguntava sem os pontos de interrogação, também pergunto: “Onde estão os artistas do nosso tempo” e “Onde estão as perigosas e provocadoras obras de arte do nosso tempo?”.

 

 

 

 

 

 

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Marcelo Ariel nasceu em Santos, 1968. Poeta, performer e dramaturgo. Autor dos livrosTratado dos anjos afogados (Letraselvagem 2008), Conversas com Emily Dickinson e outros poemas(Multifoco,2010), O Céu no fundo do mart ( Dulcinéia Catadora,2009), A segunda morte de Herberto Helder (21 GRAMAS, 2011) entre outros… E-mail: marcelo.ariel91@gmail.com

 




Comentários (1 comentário)

  1. ivan antunes, Forever bloc! belo texto, caro.
    27 novembro, 2013 as 1:34

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