Autorias e Teorias


AUTORIAS E TEORIAS – Um  evento internacional sobre a escrita de literatura nos cursos de Letras


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Acontecerá, de 25 a 28/11, no Centro Maria Antonia – Rua Maria Antonia, 258 e 294 (Centro de São Paulo) –, “Autorias e Teorias – Encontro Internacional de Escrita Contemporânea”, um evento centrado na escrita de literatura nas faculdades de letras.

A partir das experiências desenvolvidas pela disciplina de graduação “Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa V – Oficina de Literatura”, ministrada desde 2012 na FFLCH/Universidade de São Paulo, inteiramente concentrada no desempenho da produção literária, se revelou fundamental um contato com escritores, que são, também, agenciadores de proposições teóricas (em livros e diferentes modos de formulação). O Encontro tenciona pôr em foco questões estéticas e conceituais contemporâneas, possibilitando o intercâmbio com criadores exponenciais da cena brasileira e internacional de agora. Tem o interesse em potencializar uma linha de estudos, na esfera do curso de Letras, dedicada à habilitação da escrita em todas as suas características inventivas e cognitivas. Busca no âmbito da universidade uma concepção atualizada de pesquisa, prática e reflexão, capaz de conjugar o escopo teórico com aquele da criação, num sentido formador, indissociável da profissionalização do corpo discente.

“Autorias e Teorias” pretende contribuir com um debate renovador, em sincronia com o tempo presente e a importância da literatura em um contexto plural de informação, cultura e arte.

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Escritores Convidados

Agustín Fernández Mallo

Autor espanhol, criador da importante trilogia narrativa Proyecto Nocilla. Produziu, entre outros livros, no gênero uma recriação da obra de Jorge Luís Borges – El Hacedor (De Borges). Remake (2011). No campo da poesia, publicou, entre alguns títulos, Antibiótico (2005). Tem dois ensaios fundamentais para a compreensão de arte e cultura na contemporaneidade: Postpoesia – Hacia un nuevo paradigma (2009) e  Blog Up (2012).

 

Damián Tabarovsky

Um dos mais destacados escritores argentinos da atualidade. Entre os inúmeros livros de narrativa que publicou, podem ser apontados Bingo (1997), La expectativa (2006), Autobiografia médica (2008) e o mais recente Una belleza vulgar (2011). Com o ensaio Literatura de izquierda (2004), Tabarovsky inova e redimensiona o entendimento da atividade da escrita, realizando um inventivo trabalho teórico.

 

Marilia Garcia

Escritora, tradutora e editora brasileira. Vem realizando uma imponente obra poética.  20 poemas para seu walkman (2007) foi traduzido para o espanhol. Em Engano geográfico (2012), a autora efetiva um diálogo producente com a obra do poeta francês Emmanuel Hocquard, sobre quem escreveu uma tese de doutorado, defendida em 2010.

 

Luiz Antônio Assis Brasil

Autor de uma extensa e significativa obra, publicada desde os anos 1970, cujos títulos mais recentes são os romances Música perdida (2006) e Figura na sombra (2012). Teve obras adaptadas para o cinema e escreveu, também, Ensaios íntimos e imperfeitos (2008). Coordena desde os anos 1980 a Oficina de Criação Literária do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Letras da PUC-Rio Grande do Sul.

 

Outros participantes do Encontro são os escritores Álvaro Faleiros, Moacir Amâncio, Roberto Zular e Mauricio Salles Vasconcelos. São eles, também, professores da Faculdade de Letras da USP, que atuarão durante o evento em núcleos de estudo e debate sob a forma de oficina criativa e teórica. Estarão presentes nos colóquios com os autores do Encontro os pesquisadores Tiago Cunha Fernandes, Ciro Lubliner e Paulo Ricardo Alves (Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa).

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Agustín Fernández Mallo autografa Nocilla Experience em São Paulo

Na abertura do Encontro Internacional de Escrita Contemporânea – dia 25/11 –, o autor de Nocilla Experience (segundo volume da trilogia Projeto Nocilla, que já teve o primeiro livro de seu trítptico, Nocilla Dream, lançado no Brasil em abril último) lançará a obra em São Paulo. Antes dos autógrafos, o espanhol Mallo participará de um bate-papo sobre sua produção, seguido de um spoken-word – um ato ensaístico-musical realizado pelo músico Ciro Lubliner.

A noite de autógrafos de Nocilla Experience dará inicio ao evento, que é aberto ao público e concederá certificados aos inscritos – através do link da Secretaria de Cultura e Extensão (FFLCH/USP): sce.fflch.usp.br/node/1593.

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Da literatura portátil ao romance móvel – Algumas linhas sobre A. F. Mallo

Enrique Vila-Mattas, autor do intrigante Breve história da literatura portátil, propõe uma outra história da literatura do século XX através de “inquilinos negros”, personagens inquietantemente conceituais postos para fora do esquadro oficial dos livros em coleção e cânone. Interessante é ver a viva ligação de leitura mantida por A. F. Mallo com o escritor, seu conterrâneo, através de muitos motivos ficcionais/narracionais e da própria imagem do escritor espanhol (desenhado sob a forma de comics em Nocilla Lab, último volume da importante trilogia Projeto Nocilla).

Toda uma sequência empolgante de possibilidades se desenha no ar e nas páginas do que pode se chamar de literatura a partir de uma conversa com esse autor pós-borgiano. Importante é notar que ele relança (sem maiores reverências e referências a um culto tantas vezes imobilizador do tão apropriado Jorge Luís Borges) as questões de autoria e teoria para dimensões impensadas, impactantemente atuais.

São muitos os autores/artistas/agentes do pensamento, da ciência e da imaginação com os quais ele dialoga de modo urgente e heterodoxo (para fora de uma filiação alinhada ao nome próprio do escritor argentino). Se, imediatamente, vê-se a presença – e também o desenho, em andamento de história em quadrinhos (no volume final do Projeto Nocila) – de Enrique Vila-Matas, como um aporte do fabulista a um nome relevante da literatura espanhola, se faz legível, de modo simultâneo, uma atualização das premissas da escrita como mapeamento especulativo e concepção nomádica (tal como se apreende das páginas de História abreviada da literatura portátil).

Como se observa, mesmo no livro mais recente publicado por Vila-Matas – Ar de Dylan (2012) –, o interesse narracional do autor não se abstém  da elaboração de arquivos em torno de “cartografias sonâmbulas”, de percursos intrincados, reveladores da dispersão, do desastre, de um sentido básico do errar e da errância na criação de uma outra literatura e de um modo outro de habitar, de recepcionar o que se passa e se entende como História a contar da fábula literária. Por mais que refaça a noção de romance, de gênero narrativo em favor do narrativo como ato – em toda sua propensão fragmentária e performativa em detrimento da modelação normativa, insertiva de um pertencimento à circulação já classificada de textos escritos –  o traço portátil não alude apenas a um dado de estilo e suporte (reportável a livros breves ou anti-modelares). Mas se vinca ao investimento do corpo.

Indissociável da passagem, do “trajeto errático”, como bem definiu Mallo, em Nocilla Experience, seu personagem Harold (que traz um tanto do burlesco e do engenho composicional do grande cômico Harold Lloyd, não só pelo nome), a noção de literatura móvel ganha sua plena atualidade. A partir da perspectiva delineada por Vila-Matas – passível de se ler como uma intrigante história da literatura moderna, desde Sterne, ao menos, com Tristram Shandy –, o contorno tomado pela escrita no conjunto de livros concebido por A. F. Mallo oferece um campo de experimentação mais expandido ao exercício criativo.

Ao suplementar o elemento da especulação, da sondagem aos universos da literatura e da arte – abrangendo, num só vórtice, Borges e Cortázar, Antonioni e Lynch, a Land Art e a graphic novel –, Mallo não desfaz as pistas do físico de formação que é. Seu projeto ficcional se move enquanto plano de uma exploração espácio-temporal tendo figuras nocionais em vez do sedimentado museu de personae psicológica ou sociologicamente inscritas em algum código.

No contexto da alta tecnologia do milênio, que transcorre, simultaneamente, por trilhas geopolíticas, territoriais, bem localizadas no mapa-mundi da mundialização, o criador do Projeto Nocilla formula literatura móvel em sintonia com o horizonte-móbile de homens e máquinas em um planeta hiperinformatizado, ao mesmo tempo em que capta a cultura nômade do presente. E, não à toa, realiza um dos conjuntos narrativos mais renovadores de que se tem notícia nessas primeiras décadas do século XXI. Pois possibilita um senso de historicidade amplificado capaz de investigar vastas áreas do conhecimento, da arte e do movimento básico de personagens/páginas de uma constelação modulada sob o signo da ab-errância definidora de toda uma época.

Como registro da mobilidade essencial do escrita de Mallo, segue minha tradução inédita das primeiras páginas de seu livro-poema Antibiótico (2005).

 

A esperança concavidade que se forma

Meia-boca sobre a neve
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Mapa:

Genoma e cassete de um território – o corpo –
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Fundir pistas, alterá-las
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Vemos na alma, cristal,

Matéria polida

Embora rugosa, em suas cristas radia

Incandescente

O espectro do que viria
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A ser: os vales são tampouco você
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Um átomo emite um elétron

E reordena o mundo
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………………………[repetir] .

Um átomo emite um elétron

E reordena o mundo,

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Ainda que haja flashes e húmus ali embaixo

Os acordes estão há muito tempo repartidos

Passa um carro-carruagem

Sem nenhuma luz e carrega adiante

Tudo o que é irreversível: sua própria luz,

Uma mulher-passagem, uma bolsa

De lixo
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……….A emitir resíduos

……… Reordena o mundo
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No mesmo centro massivo da tua idade

No há massa, nem luz

Capaz de avançar para o bombeamento

Desnudo dos dormitórios
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[Água, espaços plácidos] .

Tudo bombeia e urina

Pupila incolor
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Me apago, e uma ninfa sussurra bem-vinda

Do televisor
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Fiquem tranquilos, venho do futuro

Para conduzi-los a algo bem melhor
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E, sem embargo, faltam moscas

Em meu sistema métrico decimal
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Encontraste um papel gorduroso

Da primeira bisteca da Criação, lataria

De Fanta Free amassada,

Envoltórios de alguns Paninis da Knorr
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Em venda aos pares porque se vive aos pares

…………………(Segurem seus risos)
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Resíduos de um espaço tomado

Pela surdo-muda expansão

Dos costumes,
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Uma tecla muito rara que meu telefone contém

Concentra todas as letras

Em cinza

…………(As não-escritas, inclusas,

…………Também)

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Assim feito morangos e planetas clones

Para um jersey de tricô, pedaço de fio,

Uma lua plena de quimioterapia
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Tal qual um cubo de gelo no deserto

Teu nariz foi recém-implantado

Damos voltas pela Terra em espiral para pensar

Que todavia é plana, que a Equipe-A

E Jorge Luís Borges não são a mesma coisa

Que o verão, sim, é o aparato caça-mosca

Luz vermelha em vigília
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Em cada noite o Universo pra você

 

 

 

 

 

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Mauricio Salles Vasconcelos é autor do ensaios Espiral Terra – Poéticas contemporâneas de língua portuguesa (2013) e Rimbaud da América e outras iluminações (2000), de Stereo (ficções), editado em 2002,  do romance Ela não fuma mais maconha (2011) e das narrativas de Moça em blazer xadrez (2013). Publicou os livros de poesia Sonos curtos (1992), Tesouro transparente (1985) e Lembrança arranhada (1980). Dirigiu, entre outros videos, Ocidentes (2001), tendo por base seu livro-poema Ocidentes dum sentimental (1998), uma recriação de “O sentimento dum ocidental”, de Cesário Verde, e também  Giro Noite Cinema – Guy Debord (2011). Carioca, vive em São Paulo. E-mail: vasconcelosmauricio@hotmail.com

 




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