No aniversário



Autoapresentação

Minha história não é particularmente aventureira ou interessante: tive a infância marcada por uma migração intra-europeia comum – entre Itália, Suíça e França – por motivos essencialmente familiares. Isso se traduziu em uma produção literária que inclui poesia, acima de tudo, mas também prosa – contos – e textos para crianças. E em uma atividade de pesquisa de 30 anos no campo da chamada literatura transnacional.

Cheguei à minha escrita literária por meio da tradução: através do trabalho diário com um pai poeta, na intimidade de nossa casa, ajudando-o a transportar seus versos franceses para o italiano. Essa colaboração afetiva e linguística começou na infância e sempre ocorreu fora da Itália – de onde saí quando criança – em uma área de fronteira que traçou um sulco profundo em meu “ser” existencial e poético, o que deixou uma marca indelével para dividir um aqui e um lá, eu de mim mesmo.

Mas sempre escrevi em italiano, os outros idiomas, o francês em primeiro lugar, simplesmente constituíram o tecido sonoro de certos relacionamentos pessoais. E se eu não me reconheço em um determinado país, não é por causa de algum tipo de cosmopolitismo esclarecido, mas por causa de uma total incapacidade existencial, uma deficiência de identidade. Só consigo me encontrar em palavras – palavras italianas, especificamente – com as quais esboço um lugar que se assemelha a mim.

Depois de uma formação universitária comparativa, inevitavelmente passei a lidar com escritores e poetas transnacionais, especialmente os de língua italiana, aqueles autores em trânsito entre vários países e culturas, com uma produção literária multilíngue.

Vivemos em um momento histórico crucial. Estamos no meio do apocalipse e as categorias que usávamos para habitar este nosso mundo estão perdendo o sentido diante de tudo o que está acabando e não sabemos se, e de que forma, ele voltará a ser. Com nós ou sem nós. Pode parecer um pouco exagerado, mas acho que se, mais cedo ou mais tarde, não reconhecermos o compromisso que é exigido de nós para recriar, nos reinventar no que será, teremos que nos contentar em desaparecer em um lamento inútil, mais ou menos nostálgico. A vida está em outro lugar, nós a experimentamos o tempo todo com as crônicas trágicas – políticas, econômicas, climáticas, ambientais… – da vida cotidiana, e esse lugar deve ser identificado e construído em conjunto. Em todos os campos. Até mesmo na literatura, e aqui chego ao ponto. A migração não é um epifenômeno. A migração é a causa primária, histórica e também biológica – tudo migra dentro de nós, apesar de nós – da existência do homem ao longo do tempo. Agora ela se tornou mais clara, mais evidente, devido às convergências históricas que têm raízes comuns, e a literatura se tornou sua voz, encarregou seus escritores, seus poetas – autores deslocados, em trânsito, mestiços de cultura e religião, translíngues – de contar, de incorporar a evidência dessa realidade. Não creio que exista uma literatura de exílio, migrante, para ser contrastada com uma literatura enraizada em um idioma e em um território: o apocalipse envolve todos nós, mesmo aqueles que pensam que podem simplesmente continuar a ser como têm sido. Até mesmo os escritores, os poetas que se reconhecem em uma estabilidade agora aparente, enraizada na realidade em uma deflagração.

Com isso em mente, em 2009, criei a Companhia de poetas, da qual faço parte, um grupo poético-teatral totalmente feminino, formado por autoras transnacionais, espalhadas por diferentes continentes, atuando sob a bandeira do multilinguismo e da colaboração de linguagens artísticas (www.compagniadellepoete.com).

E em 2017, foi a vez da Agence littéraire transnationale LINGUAFRANCA (www.linguafrancaonline.org), criada em Paris com colegas italianos e franceses com o objetivo de promover e divulgar o trabalho de autores transnacionais. A LINGUAFRANCA também é um portal de traduções e administra o blog de tradução coletiva de poesia de mesmo nome para um importante jornal italiano (www.ilfattoquotidiano.it/blog/linguafranca/).

Acabei de descrever tudo isso mais detalhadamente em uma entrevista recente no Brasil, que pode ser encontrada aqui: https://www.e-publicacoes.uerj.br/cadernoseminal/article/view/80748.

Para concluir, gostaria de mencionar também meu olhar fotográfico – não tenho as habilidades técnicas para me chamar de fotógrafa – que acompanha a poesia há anos, cada vez mais em publicações mistas: www.mialecomte-ph.com.

 

***

 

NO ANIVERSÁRIO
(Tradução de Roberto Melo Moraes)

 

For I know how profound is the folding of a napkin
by a woman whose hair will go white

Derek Walcott

 

Hoje minha filha faz oitenta anos. Ela está bastante acabada para sua idade e nos contentaremos em comemorar discretamente. A ruína ocorreu por etapas, metodicamente. Como aconteceu com seu pai. Definitivamente, ela puxou ao pai. Não provenho de uma linhagem longeva, mas estou em melhor situação. Ainda tenho todas as minhas coisinhas em ordem, claro, e nenhum problema se desenha no horizonte. Ainda há tempo para mim. Ainda há tempo.

O pai de minha filha, meu primeiro marido, aos cinquenta anos havia se casado com uma amante vinte anos mais jovem. Agora ela também está morta, que Deus a abençoe. Dez anos mais jovem do que eu, me fez o favor de tirá-lo de minhas mãos. Agora secos, os dois. Muitos amigos em comum. Inclusive meu segundo marido. Não tínhamos filhos, não restamos muitos para chorar por ele. Na verdade, não sobrou ninguém além de mim. Ainda lamento sua morte e quem sabe por quanto tempo ainda lamentarei. Certamente, mais que minha filha. Que vai durar pouco, posso sentir. Talvez ainda hoje dê seu último suspiro na hora de soprar as velas. Pobrezinha. Deveria haver um sistema de autoextinção para facilitar a vida dos velhinhos já mal das pernas. Um gadget para casas de repouso ou drogas deste gênero. Cairia muito bem. A ilusão dos ares da juventude, a plenos pulmões. Uma boa ideia, comiserável e talvez lucrativa. A ser patenteada, para me assegurar um futuro longo e sem preocupação.

Aos quarenta anos, minha filha era ainda uma grande beleza. Passávamos por irmãs, os mesmos cabelos, a cintura, as pernas. Ríamos do mesmo modo. Era a mesma de vinte anos antes, mais ou menos. Como eu.

O dia do aniversário dela foi perfeito. Estávamos eu com o meu segundo e ela com o seu único, e os dois filhos. Já crescidos, agora, moram no estrangeiro, têm família e odeiam a mãe. Quase nunca a visitam, consequentemente nem a mim, que moro em uma casa contígua a dela. Herdaram tudo do pai: aparência, índole, o dinheiro de que vivem, os bens. E não precisam de nós. O marido da minha filha, um americano sem imaginação, foi basicamente um bom marido, sabiamente ausente.

Deixou-nos em paz. E quando morreu, quase não nos demos conta, exceto pela partida repentina dos rapazes.

Nesse aniversário da minha filha, estávamos à beira-mar, todos juntos. As crianças, com vários graus de queimaduras na mesma pele sardenta do pai, ajudaram-na a preparar a mesa. Depois ficamos todos na varanda, divertindo-nos até tarde. Entre as nossas pernas, vagava um gatinho que tinha aparecido de manhã no jardim. Um bichano vira-lata doentio que as crianças tinham pegado, despulgado, enfeitado e oferecido de presente à mãe naquela tarde. Às escuras, naquela noite de verão muito negra, sob uma lua tonta, todos nós ainda sabíamos celebrar os aniversários à nossa maneira. Quando a minha filha correu para o telefone, as crianças já estavam na cama. O seu amante de então estava a dizer-lhe que não conseguira resistir, que tinha de ouvi-la, de estar com ela no seu aniversário. Festejá-la também, à sua maneira. A minha filha falava baixinho ao bocal do telefone local, encostada fielmente à parede, e olhava para a ponta do dedo do pé descalço, mexendo-o para cima e para baixo. A sua respiração apaixonada realçava os seus belos lábios. A saia estava imóvel, a camisa, os longos cabelos negros recolhidos em um coque granítico. Naquele momento estávamos todos ali: a dormir tranquilamente, as crianças; o meu marido e eu a terminar o nosso vinho; o americano debruçado sobre a balaustrada do terraço, a nuca atenta e resignada, renovando a vontade de partir. Vista da varanda, sua mulher era tão jovem, feliz. Com aquele outro. O gatinho de uma negritude perfeita.

Cinquenta anos é um marco importante para uma mulher. Desde sempre o corpo segue as suas próprias lógicas, mas de repente elas tornam-se evidentes, saem da clandestinidade. No da minha filha, deitada ao sol, as estratégias de ataque e as de defesa eram então evidentes. Tinha levado sua bebida para o gramado e olhava para o céu por detrás dos seus óculos escuros. Para aquela noite, tínhamos organizado aquela grande festa de acordo com critérios rigorosamente apotropaicos. E ela queria bronzear-se inteira para usar um ousado vestido decotado. O gato dormia ao lado dela, a pequena cabeça preta pousada por cima de seus desbotados pelos púbicos. A sua barriga, distendida sob a cascata de bigodes do gato, parecia lisa. Na realidade, desde o nascimento do seu segundo filho, estava coberta de vincos, dobras densas que marcaram presença durante anos e que agora cediam ao peso da pele espessa. Sempre teve poucos seios, minha filha, mas então só lhe restavam dois mamilos gordos e violáceos, que se erguiam orgulhosamente à volta do esterno. A pele dos ombros, braços, pernas, mãos e pés ainda estava fresca, e o bronzeado dava-lhe gradualmente um aspecto mais aveludado. Ela olhava para o céu por detrás dos seus óculos escuros, e o gato movia a cabeça sobre o seu quadril flácido.

Quando isso começou? Quando minha garotinha começou a envelhecer? Subitamente, é claro, como todo mundo, mas hoje mesmo isso se tornou indiscutível. E eu? Quando eu parei de envelhecer? É mais complicado. Se fosse de forma súbita, eu ainda estaria arroxeada na cama da minha mãe, com o cordão umbilical recém-cortado. Quando? Quando criança, minha filha costumava usar maquiagem para se parecer comigo, para brincar de ser eu. Até hoje ela usa maquiagem para se parecer comigo, para ser eu. Ela avança e retrocede, avança e retrocede. Eu nunca usei maquiagem. Mas quando isso começou, e terminou? Um dia, ela devia ter oito ou nove anos, ficamos diante do espelho, nós duas, nuas como chocos. Naquela época, tudo ainda estava em ordem. Atrás de nós veio meu primeiro marido e começou a rir de suas duas mulheres refletidas. Ainda na cronologia certa. E depois? Suas amigas do ensino médio lhe disseram que parecíamos irmãs. Alguém até se apaixonou por mim. Mas eu ainda era sua mãe, jovem, mas ainda assim sua mãe. E depois? Vinte anos, trinta anos, quarenta anos. Uma linda garota, mulher, ela, cada vez mais madura. Em harmonia. E eu? O que aconteceu com minha idade madura, minha velhice? Meu segundo marido foi um homem de muita sorte. Não havia a necessidade de procurar uma jovenzinha, ele. Às vezes me pergunto se chegara a perceber isso então. E as outras pessoas?

Minha filha se espreguiçou, afastou o gato com cuidado e sentou-se no gramado. Ergueu os óculos até a testa e se virou para mim, sorrindo. Dois vincos fundos ao redor da boca, outros mais engraçados nas laterais dos olhos. Grandes e ainda claros. Todos os dentes em boa ordem, ortodontia americana. Talvez tenha sido isso que atraiu seu marido, os azulejos da cozinha bem arrumados com o aroma do pie de sua avó, no Colorado. Sorri para mim, com aquela sua doçura ansiosa. Está feliz consigo mesma, com a festa desta noite, com os garotos se divertindo na piscina do vizinho com suas namoradas. Ela sorri carinhosamente para mim, mesmo que agora não me vê há anos. Um dia, talvez, tenhamos estado sentadas lado a lado, talvez até em duas cidades diferentes. E eu permanecera assim, ao longo do tempo. E eu a vejo envelhecer. Isso não é menos doloroso. Não há justiça nisso, e é doloroso. Minha filha sempre gostou de sua idade e se adaptou a ela de bom grado. Em algum momento, a minha vez também chegará, talvez de repente. A imortalidade nunca foi uma aspiração razoável e a solidão que a acompanha seria intolerável. Viver para perder. Não, obrigada.

Talvez fosse por causa de sua perna quebrada, mas ela realmente não estava com vontade de comemorar seus 60 anos. Ademais o americano já tinha ido embora, com seus filhos. Os muitos amigos, realmente tinha muitos amigos, mais um ou outro amante ocasional, não eram motivo suficiente para uma festa. E sessenta anos em um pequeno restaurante de peixes, um pouco fora de mão, levando as próprias velas, ainda é uma conquista. Minha filha entrava antes de mim para perguntar sobre nossa mesa. Ela sempre quer fazer tudo, mesmo de muletas. Ela havia quebrado a perna justamente por causa de seu excesso altruísta. No hospital, perguntaram-me se eu pretendia assinar a internação da minha mãe; naquele restaurante, perguntaram se a filha dela preferia comer na sala de jantar ou na varanda. Sua filha. Perdi minha mãe muito cedo e com grande alívio. Era feia e dominadora, e deixou um pai lindo e muito doce todo para mim. Disse isso a meus dois maridos muitas vezes, adoro me repetir quando se trata de coisas que me importam. E eles ficaram com ciúmes, ambos, pela última vez, por volta daquele sexagésimo aniversário. E, de fato, minha filha e eu acabamos saindo sozinhas. Meu pai. Eu o amava demais, e talvez seja por causa dele que eu não consiga envelhecer. Porque o tempo não passa, é sempre a mesma coisa, mesmo que ele tenha ido embora há anos. Os mesmos sentimentos. O mesmo sentimento. Você sempre perde a mesmo encontro, mesmo que em horários diferentes. Meu sobrinho me disse isso há muito tempo, em uma explosão de adolescência sabichona com pretensões filosóficas. De vez em quando, isso me vem à mente, especialmente quando estou indo à pedicure. Esses são momentos que tento evitar — pedicure, manicure, depilação, penteados… — porque os pensamentos se aglomeram, aproveitam para se infiltrar. É desagradável, mas felizmente não preciso de muita manutenção. Ao contrário da minha filha, que faz tudo sozinha para economizar dinheiro. Ela não tem medo de pensamentos, ela, ou pelo menos passa por cima deles, mas sem pintar seu cabelo há anos.

Uma pequena cabeça branca e uma grande cabeça marrom, foi assim que comemos nosso bolo. Mãe e filha, em posições invertidas. E meus aniversários? Quem se lembra mais deles? Não os comemoro há anos, desde que meu pai faleceu. Consegui me esquecer de quando nasci. O ano, mas também o mês, o dia. E o lugar. E, no final das contas, os outros também se esqueceram.

De uma mesa próxima, dois homens estavam nos observando com cumplicidade, mas nos levantamos imediatamente. Não tínhamos tempo a perder. Eu pelo menos tinha que voltar para casa, para meu segundo marido. Era muito mais jovem do que eu, muito velho, não podia ficar muito tempo sozinho: memória, micção, movimentação. Tudo difícil, mesmo com os comprimidos adequados. E então eu tinha que compensá-lo por não o ter trazido comigo, com todo o peso de seu ciúme para carregar. Em casa, só eu e ele, de que tanto tenho remorso hoje. Esse tempo também acabou.

O dia começou ruim. Eu costumava dizer a ela que eu nunca havia feito cirurgia plástica. Eu juraria e juraria. Mas nada a fazer. Sim, sua sogra deveria. Mas ela não se importa, ela nunca se importou. Ela era uma beleza inconsciente e agora ignora até mesmo a velhice. Ela nunca teve muito tempo para curar-se, e eu também não. Fomos duas trabalhadoras, nós, cada uma em seu próprio campo. E com famílias. E uma vida amorosa imprevisível. Ela não conseguia acreditar, aquela minha neta idiota. E como a cirurgia plástica poderia me proporcionar tudo isso, a vida. Estou incrivelmente viva, minha querida, viva demais, tanto que tenho medo de que isso nunca acabe. Minha bisneta estava brincando no chão da cozinha, ao lado da mesa.

O domingo começou muito mal, com aquela pergunta inadequada no café da manhã. Depois de me olhar longamente no espelho, antes de descer as escadas, procurei esperançosa algum sinal de que denunciasse minha idade. Então minha filha entrou. O roupão deixava meio descobertos seus ombros ossudos e seus braços murchos. Por trás da seda, o corpo magro mantinha sua linha original, mas flácido, com frequentes explosões sob a superfície. Ela segurava a xícara com a mão direita, com manchas senis, quebradiça, com as unhas mordidas por um hábito nunca perdido. Sua neta subiu em seus braços, mastigando um biscoito. E beijou-a, feliz aniversário, vovó. Todo mundo, feliz aniversário. E para mim: mas quando você nasceu, vovó? Você deve me chamar de “bisa”, respondi sem responder, vovó você já tem. Dei um beijo na cabeça de minha filha, em seu cabelo ralo, e fui me vestir. Qual é o meu destino? Haverá mais alguém em minha condição no mundo? No corredor, eu voltava para a frente do espelho. E depois novamente para o quarto, escovando-me sem roupão. Meus seios firmes, meu bumbum, minhas pernas. A mesma pele, incorrupta em toda parte. E minha filha, lá embaixo, envelhecendo, com a nora e a neta. Setenta anos de idade. Já havia as superado há muito tempo, mas lá estava eu, na casa de praia, como sempre. O passo, o gesto enérgico. As risadas, os olhares. Sim, a vida. Para que serve toda essa vida? Caminhei pelos cômodos em busca de indícios da festa surpresa da noite, organizada por netos e bisnetos. E o bis-gato, também negro, como o outro. Ele estava dormindo enrolado na cama da minha filha, com o focinho mergulhado no cheiro intenso dos anos. Meu primeiro marido tinha isso, o segundo, depois de uma certa data de validade todos tinham. Na poltrona, as roupas que ela usaria. As que eu usaria se tivesse algo a esconder. Ou quisesse me disfarçar. No banheiro de hóspedes, havia pacotes, e buquês de flores na água. Lá fora era o verão de sempre, em torno de nossa festa. Pelo menos os gatos, no tempo, eram dois, ainda que parecessem o mesmo e você pode se confundir. Dois, um após o outro, em uma fila cronologicamente disciplinada. Eu devo fazer tudo sozinha.

Hoje minha filha fez oitenta anos. Foi uma comemoração rápida, apenas o tempo suficiente para apagar as velas. Nós a ajudamos, à espera de avanços tecnológicos desejados, e não surgiram muitos problemas. Uma longa inspiração e “ir”, todos juntos. Beijos e aplausos para o seu olhar bobo. Ela foi para a cama, talvez para sempre. Finalmente descansando. Que sorte a dela.

 

***

 

AL COMPLEANNO
Mia Lecomte

 

I know how profound is the folding of a napkin
by a woman whose hair will go white…

                  Derek Walcott

 

Oggi mia figlia compie ottant’anni. È piuttosto malridotta per la sua età e ci accontenteremo di festeggiare in sordina. Il tracollo è avvenuto per gradi, metodicamente. Come è successo a suo padre. Ha preso decisamente da suo padre. Io non provengo da una genia di longevi, ma dimostro di meglio. Ho ancora tutte le mie cosine a posto, è evidente, e non si profilano guai all’orizzonte. C’è tempo ancora, per me. C’è ancora tempo.

Il padre di mia figlia, il mio primo marito, a cinquant’anni si era preso un’amante di venti più giovane. Ora è morta anche lei, che dio la benedica. Dieci anni meno di me e mi ha fatto il favore di portarselo via. Secchi tutti e due. E molti degli amici comuni. E anche il mio secondo marito. Non avevamo figli, non restiamo in molti a piangerlo. Nessuno anzi, non resta nessuno all’infuori di me. Io lo piango ancora e chissà per quanto lo piangerò. Sicuramente oltre mia figlia. Che dura poco, me lo sento. Forse proprio oggi soffierà il suo ultimo alito vitale sulle candeline. Poveretta. Ci vorrebbe un sistema di auto-spegnimento per facilitare i vecchietti malandati. Un gadget per case di riposo o roba del genere. Andrebbe forte. L’illusione del vento della giovinezza, a pieni polmoni. Una buona idea, commiserevole e forse lucrativa. Da brevettare, per assicurarmi un lungo futuro senza pensieri.

A quarant’anni mia figlia era ancora una gran bellezza. Ci scambiavano per sorelle, gli stessi capelli, la vita, le gambe. Ridevamo allo stesso modo. Era quella di vent’anni prima, più o meno. Come me.

Il giorno del suo compleanno è stato perfetto. C’eravamo io, col mio secondo e lei col suo unico marito, e i due figli. Sono grandi, ora, stanno all’estero, hanno famiglia e detestano la madre. Non vengono quasi mai a trovare lei, né di conseguenza me, che le abito accanto. Hanno preso tutto dal padre: l’aspetto, l’indole, i soldi di cui vivono, le proprietà. E non hanno bisogno di noi. Il marito di mia figlia, un americano senza fantasia, in fondo è stato un buon marito, sapientemente assente. Ci ha lasciate molto in pace. E quando è morto non ce ne siamo quasi accorte, tranne che per la partenza repentina dei ragazzi.

Per il quarantesimo compleanno di mia figlia eravamo al mare, tutti insieme. I bambini, con ustioni di vario grado sulla pelle lentigginosa di eredità paterna, l’hanno aiutata a sparecchiare la tavola. Poi siamo stati tutti quanti in veranda, a scherzare fino a tardi. Ci correva fra le gambe un gattino cisposo, comparso in giardino nella mattinata. Un bastardello cronico che i bambini avevano catturato, spulciato e addobbato per regalarlo la sera alla mamma. Nero, in quella notte estiva tanto nera, a luna tonta, in cui tutti sapevamo ancora festeggiare a nostro modo il compleanno. Quando mia figlia è corsa al telefono i bambini erano già a letto. Il suo amante di allora le stava dicendo che non aveva saputo resistere, che doveva sentirla, essere con lei per il suo compleanno. Festeggiarla, anche lui, a proprio modo. Mia figlia parlava piano da una cornetta locale, fedele alla parete, e si guardava la punta del piede nudo, muoveva l’alluce in su e in giù. Il suo respiro appassionato le segnava le belle labbra. La gonna era immobile, la camicia, i lunghi capelli neri raccolti in uno chignon granitico. Ora c’eravamo proprio tutti: dormivano beatamente, i bambini, io e mio marito finivamo il nostro vino; l’americano affacciato alla balaustra del terrazzo, la nuca attenta e rassegnata, rinnovava l’urgenza di partire. Sua moglie era così giovane, dalla veranda, felice. Con quell’altro. Il gattino di un nero perfetto.

Cinquant’anni per una donna sono un traguardo importante. È da tempo che il corpo segue le proprie logiche, ma a un tratto si fanno evidenti, escono dalla clandestinità. Su quello di mia figlia, distesa al sole, le strategie d’attacco e quelle di difesa erano ormai palesi. Si era portata da bere sul prato e ora guardava il cielo dietro agli occhiali scuri. Per la sera avevamo organizzato quella grande festa in funzione rigorosamente apotropaica. E lei voleva abbronzarsi integralmente per un estremo vestito scollato. Il gatto le dormiva a fianco, la testina nera poggiata giusto sopra i peli sbiaditi del pube. La pancia, distesa sotto la cascata baffuta del gatto, appariva liscia. In realtà, dalla nascita del secondo figlio le si era coperta di grinze, fittissime piegoline che per anni si erano date un tono e ora cedevano al peso della pelle ispessita. Aveva sempre avuto poco seno, mia figlia, ma restavano solo due grassi capezzoli violacei a proporsi boriosi attorno allo sterno. La pelle delle spalle, delle braccia, delle gambe, quella delle mani e dei piedi, era ancora fresca e l’abbronzatura incalzando le conferiva via via un’apparenza più vellutata. Guardava il cielo dietro agli occhiali scuri, e il gatto spostava la testa sul suo fianco rilasciato.

Quand’era cominciata? Quando aveva cominciato ad invecchiare la mia bambina? Da subito, ovviamente, come tutti, ma proprio oggi diventava indubitabile. E io? Quando ho smesso di invecchiare, io? Più complicato. Se subito, sarei ancora paonazza nel letto di mia madre, col cordone fresco di taglio. Quando? Da bambina mia figlia si truccava per assomigliarmi, giocava a essere me. Anche ora si trucca per assomigliarmi, essere me. Avanza e retrocede, avanza e retrocede. Io non mi sono mai truccata. Ma quand’è cominciata, e finita? Un giorno, lei doveva avere otto o nove anni, ci siamo messe davanti allo specchio, tutte e due, nude come seppie. Era ancora tutto in regola, allora. Alle nostre spalle è arrivato il mio primo marito ed è scoppiato a ridere per le sue due donne riflesse. Ancora nel giusto ordine. E poi? I suoi compagni di liceo le dicevano che sembravamo sorelle. Qualcuno si è anche innamorato di me. Ma ero ancora sua madre, allora, giovanile ma sempre sua madre. E poi? Vent’anni, trent’anni, quarant’anni. Una bella ragazza, donna, lei, sempre più matura. In armonia. E io? Che ne è stato della mia età matura, della vecchiaia? Il mio secondo marito è stato un uomo davvero fortunato. Non ha avuto bisogno di cercarsi una ragazzina, lui. Ogni tanto mi domando se abbia fatto in tempo a rendersene conto. E gli altri?

Mia figlia si stirava, scostava il gatto con delicatezza e si metteva a sedere sul prato. Sollevava gli occhiali sulla fronte e si voltava verso di me, sorridendo. Due pieghe gravi attorno alla bocca, altre più ilari ai lati degli occhi. Grandi e ancora limpidi. Tutti i denti in bell’ordine, da ortodonzia americana. Forse è stato proprio quello che ha attratto il marito, linde piastrelle della cucina profumata dal pie della nonna, in Colorado. Mi sorride, con quella sua dolcezza trepida. È contenta di sé, della festa di stasera, dei ragazzi che stanno sguazzando nella piscina del vicino, con le amichette. Mi sorride affettuosa, anche se ormai non mi vede più da anni. Un giorno, forse, eravamo sedute a fianco, forse addirittura in due città diverse. E io sono rimasta così, nel tempo. E la guardo invecchiare. Non è meno doloroso. Non c’è nessuna giustizia in questo, e fa male. Mia figlia ha sempre amato il proprio tempo e vi si adatta di buon grado. A un certo punto toccherà anche a me, forse tutto d’un tratto. L’immortalità non è mai stata un’aspirazione ragionevole e la solitudine che vi si accompagna sarebbe intollerabile. Vivere per perdere. No, grazie.

Forse per colpa della gamba rotta, ma i sessant’anni non aveva proprio voglia di festeggiarli. E poi l’americano se ne era già andato, con i figli. Molti amici, mia figlia ne aveva davvero moltissimi, infarciti occasionalmente di qualche amante, non erano un motivo sufficiente per fare baldoria. E sessant’anni in un ristorantino di pesce un po’ defilato, portandosi dietro le proprie candeline, sono comunque una conquista. Mia figlia entrava prima di me per chiedere del nostro tavolo. Vuole fare sempre tutto lei, anche là dentro, con le stampelle. Si era rotta la gamba proprio per il suo strafare altruista. All’ospedale mi avevano chiesto se intendessi firmare per il ricovero di mia madre; in quel ristorante le stavano chiedendo se sua figlia preferisse mangiare in sala o in veranda. Sua figlia. Ho perso mia madre molto presto e con grande sollievo. Era brutta e autoritaria, e mi ha lasciato il mio bellissimo e dolcissimo padre tutto per me. L’ho raccontato molto spesso ai miei due mariti, amo ripetermi quando si tratta di cose a cui tengo. E loro si sono ingelositi, entrambi, l’ultima volta per quel sessantesimo. E infatti io e mia figlia avevamo finito per uscire da sole. Mio padre. L’ho amato troppo, e forse è per lui che non riesco a invecchiare. Perché il tempo non passa, è sempre uguale, anche se è mancato da anni. Gli stessi sentimenti. Lo stesso sentimento. Si perde sempre lo stesso appuntamento, anche se a orari diversi. Me l’ha detto mio nipote tempo fa, in uno sbotto di adolescenza saccente con velleità filosofiche. Mi torna in mente, ogni tanto, soprattutto quando mi faccio la pedicure. Sono momenti che cerco di evitare – pedicure, manicure, ceretta, messa in piega… – perché i pensieri si affollano, approfittano per insinuarsi. È sgradevole, perfortuna non ho molto bisogno di manutenzione. Contrariamente a mia figlia, che fa tutto da sola per risparmiare. Non ha paura dei pensieri, lei, o comunque ci passa sopra, ma senza tingersi i capelli da anni.

Una testina bianca e un testone bruno, mangiavamo così la nostra torta. Madre e figlia, al contrario. E i miei compleanni? Chi se li ricorda più. È da anni che non li festeggio, da quando è mancato mio padre, appunto. Ho fatto in modo di dimenticare quando sono nata. L’anno ma anche il mese, il giorno. E il luogo. E alla fine se ne sono dimenticati anche gli altri.

Due uomini ci osservavano complici da un tavolo vicino, ma ci siamo alzate subito. Non avevamo tempo da perdere. Io, almeno, dovevo tornare a casa dal mio secondo marito. Era molto più giovane di me, molto anziano, non poteva stare troppo da solo: memoria, minzione, deambulazione. Tutto difficoltoso, con le pillole del caso. E poi dovevo farmi perdonare di non averlo portato con me, con tutta la sua gelosia a carico. A casa, tranquilli io e lui, che oggi rimpiango tanto. Anche per quella volta era fatta.

La giornata cominciava malissimo. Le dicevo che non sono mai ricorsa alla chirurgia plastica. Giuravo e spergiuravo. Ma niente da fare. Sì, tua suocera dovrebbe. Ma lei non ci tiene, non ci ha mai tenuto. È stata una bellezza inconsapevole e ora ignora anche la vecchiaia. Non ha mai avuto molto tempo per curarsi, e io neppure. Siamo state due lavoratrici, tutte e due, ognuna nel suo campo. E con famiglia. E una vita sentimentale imprevedibile. Non ci credeva, quella cretina di mia nipote. E come farebbe la chirurgia plastica a darmi tutto questo, la vita. Io sono incredibilmente viva, mia cara, troppo viva, tanto da aver paura che non finirà più. La mia bisnipotina stava giocando sul pavimento della cucina, vicino al tavolo.

La domenica cominciava veramente male, con quella domanda inopportuna a colazione. Dopo che mi ero guardata a lungo nello specchio, prima di scendere, cercando speranzosa qualche segno di denuncia della mia età. Poi mia figlia è entrata. La vestaglia lasciava semiscoperte le spalle ossute, le braccia incartapecorite. Dietro la seta, il corpo magro conservava la sua linea originaria, ma rilasciata, con esplosioni frequenti sotto la superficie. Reggeva la tazza con la mano destra, tutta macchie, friabile, le unghie mangiucchiate per un’abitudine mai persa. La nipotina le saliva in braccio, sbocconcellando un biscotto. La baciava, buon compleanno nonna. Tutti quanti, buon compleanno. A me: ma tu quando sei nata, nonna? Mi devi chiamare “bis”, le rispondevo senza rispondere, la tua nonna ce l’hai già. Baciavo mia figlia sulla testa, tra i capelli radi, e andavo a vestirmi. A cosa sono destinata? Ci sarà qualcun altro nella mia condizione nel mondo? Nel corridoio ripassavo davanti allo specchio. E poi ancora in camera, spazzolandomi senza vestaglia. I seni sodi, il sedere, le gambe. La stessa pelle, ovunque incorrotta. E mia figlia di sotto a invecchiare, con nuora e nipote. Settant’anni. Io li avevo superati da un pezzo, eppure eccomi lì, nella casa al mare, come sempre. Il passo, il gesto energico. La risata, gli sguardi. Sì, la vita. A cosa serve tutta questa vita? Camminavo per le stanze in cerca di indizi della festa a sorpresa della sera, organizzata da nipoti e bisnipoti. E bisgatto, nero anche lui, come quell’altro. Stava dormendo acciambellato sul letto di mia figlia, il muso tuffato nell’intenso odore degli anni. L’aveva il mio primo marito, il secondo, oltre una certa scadenza accomuna tutti. Sulla poltrona i vestiti che avrebbe indossato. Quelli che dovrei mettere io se avessi qualcosa da nascondere. O mi volessi camuffare. Nel bagno degli ospiti c’erano pacchetti, e mazzi di fiori nell’acqua. Fuori l’estate di sempre, attorno alla nostra festa. Almeno i gatti sono stati due, nel tempo, anche se sembrano lo stesso, e ci si può confondere. Due, uno dopo l’altro, una fila cronologicamente disciplinata. Io devo fare tutto da sola.

Oggi mia figlia ha compiuto ottant’anni. Un festeggiamento veloce, giusto il tempo di soffiare sulle candeline. L’abbiamo aiutata, in attesa degli auspicati progressi tecnologici, e non si sono presentati troppi problemi. Un lungo respiro e poi via, tutti insieme. Baci e applausi per lo sguardo ebete. Si è messa a letto, forse per sempre. Finalmente riposa. Beata lei.

 

 

 

 

 

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Mia Lecomte (Milão, 1966) é uma poeta e escritora francesa de língua italiana que vive na Suíça. Suas publicações mais recentes incluem: as silogias poéticas Al museo delle relazioni interrotte (2016) e Lettere da dove (2022); a coleção de contos Cronache da un’impossibilità (2015); e o livro infantil Gli spaesati/Les dépaysés (2019). Seus poemas foram traduzidos para vários idiomas e publicados no exterior e na Itália em inúmeras revistas e antologias; e nas coleções For the Maintenance of Landscape (2012), Là où tu as ton corps (2020. Prix Vénus Khoury Ghata 2021), Home is what is left (2022, com fotografias da autora). Tradutora do francês, é crítica e editora no campo da literatura transnacional de língua italiana, à qual dedicou várias antologias e o ensaio Di un poetico altrove. Poesia transnazionale italofona (1960-2016) (2018). É editora do semestral de poesia comparativa Semicerchio, do periódico literário on-line indiano The Antonym, da La Traductière, revista do festival de poesia anglo-francês, e contribui para a edição italiana do Le Monde Diplomatique. Em 2017, com outros acadêmicos e escritores ativos entre a França e a Itália, fundou em Paris a agência literária transnacional Linguafranca (www.linguafrancaonline.org), que é responsável pela edição do blog homônimo de tradução de poesia para o jornal Il Fatto Quotidiano. Ela é a idealizadora e membro da Compagnia delle poete (http://www.compagniadellapoete.com/), um grupo internacional feminino teatral de poesia. E-mail: mialecomte66@gmail.com


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