Ariano Suassuna: Dom Quixote


Ariano Suassuna: Dom Quixote contra o imperialismo norte-americano


………………………………………….[by Angeli]

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Ariano Suassuna foi uma espécie de Dom Quixote nordestino durante o tempo em que viveu, principalmente a partir de meados dos anos 1980 e depois que sua obra começou a ficar mais conhecida a partir das adaptações televisivas e do cinema. A própria criação do Movimento Armorial, do qual Ariano foi um dos artífices, serviria de base para essa afirmação. Mas o autor do “Romance d´A Pedra do Reino” não se conformou em ficar restrito ao ideário do movimento, de criar uma arte que tinha como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos “folhetos” da literatura de cordel, com a música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus “cantares” e com a xilogravura que ilustra suas capas. Foi além em sua cruzada e, a partir de suas aulas-espetáculo e das entrevistas concedidas, radicalizou conceitos em defesa de uma cultura nordestina que no seu entender precisava ser preservada de influências externas. Colecionou desafetos e algumas contradições em seu discurso também.

Por onde passava, Ariano soltava tiradas que encantava plateias. Uma vez, por exemplo, chamou Madonna e Michael Jackson de débeis mentais e que esses artistas eram enviados para subordinar o mundo aos Estados Unidos. O público ia ao delírio, mesmos que saísse da palestra e fosse para casa ouvir os discos dos dois artistas. Tais declarações não ficavam imunes para setores do segmento cultural brasileiro. Numa delas, o cineasta e jornalista Arnaldo Jabor disse que Ariano tinha um discurso radical e maniqueísta. A atriz Regina Casé também chegou a fazer sua contestação: “Adoro o Suassuna, mas gosto tanto dele quanto do Michael Jackson. A cultura brasileira sofreu influências de diversos outros povos, como os africanos. Se for assim, só poderíamos ter a cultura indígena”.

Ariano dizia não gostar da chamada arte engajada. “Não gosto de colocar meu trabalho a serviço das minhas ideias. Acho que as ideias de um escritor podem e até devem aparecer no que ele escreve, mas ele não deve colocar a sua obra a serviço dessas ideias”. Para ele, a obra em si deveria sustentar sua militância em defesa da cultura brasileira. Nesse sentido, ele entende que Chicó e João Grilo, personagens da peça “Auto da Compadecida”, representam o povo brasileiro e  que o Brasil tem uma unidade em sua diversidade. “A gente respeita a cultura gaúcha, nordestina, amazônica. O que é ruim é este achatamento cosmopolita. Você liga a televisão e não consegue distinguir se um cantor é alemão, brasileiro ou americano, porque todos cantam e se vestem do mesmo jeito”, reclamava. Tal discurso era para negar as críticas de que queria colocar a cultura brasileira numa redoma de vidro. “Isso é bobagem”, rebatia, para acrescentar: “Só não admito é a influência de uma arte americana de segunda classe”.

Um dos alvos preferidos de Ariano era o cantor e compositor Caetano Veloso. Dizia claramente que não gostava do artista baiano. “Não, não gosto. Você quer saber o que eu gosto como música? Eu gosto de Villa-Lobos e Antonio Madureira, coordenador do Quinteto Armorial. Gosto de Guerra Peixe. Aí a pessoa vem dizer: mas ele é um grande poeta. Grande poeta brasileiro para mim é João Cabral de Melo Neto, Jorge de Lima e Janice Japiassu, a grande poetisa armorial do Nordeste. Eu não desço daí não. Meu nível é por aí. Bom, pode até parecer um elitismo de minha parte, mas é mesmo. O que a gente queria era procurar uma arte erudita brasileira em todos os campos”, afirmou em entrevista a Folha de S. Paulo em 1991.

Nomes como Braulio Tavares lamentavam esse clima de eterna polêmica entre Ariano e Caetano. “Ariano e Caetano são dois brasileiros raros: têm uma fé ilimitada no Brasil, na sua força, na sua possibilidade de um destino glorioso. O “Brasil” de cada um reflete, é claro, a origem de cada um. Ariano pertence à estirpe ascética e rija dos sertanejos, Caetano pertence à cultura hedonista e malemolente dos mulatos litorâneos. Ariano é um defensor da Tradição, do eixo vertical de uma acumulação cultural de séculos; Caetano é um buscador insaciável da Novidade, do florescer contemporâneo de mil novas formas de sentir e de pensar. Os interesses dos dois são tão afastados que ambos se tornam indispensáveis. Sem um dos dois, o Brasil seria caolho”, escreveu Braulio em 2009.

Ariano, na verdade, se insurgia não especificamente contra influências externas na cultural nacional, mas contra a influência norte-americana. Tanto assim, que, para ele, “as duas vertentes mais importantes da cultura brasileira são a barroca, que herdamos dos portugueses, e a popular. É isso que faz a unidade do Brasil”. Assim, Portugal, que colonizou o Brasil e massacrou nosso povo primitivo (os índios), poderia influenciar nossa cultura através da arte barroca sem qualquer questionamento. Já os Estados Unidos, não. E explicava: “O que não posso aceitar é que brasileiros equivocados queiram que, em nome de nossa bela e fecunda diversidade, aqui seja acolhido também o lixo cultural que é sub-produto da indústria cultural americana espalhado pelo resto do mundo como se fosse coisa tão importante – e até mais importante – do que os romances de Faulkner. Ou seja: não tenho nada contra Melville. Mas não é possível que queiram exigir que eu ache que Michael Jackson e Madonna tem a mesma importância que Melville ou Euclides da Cunha. Quero deixar claro que tenho pelo ”lixo cultural” brasileiro horror igual ao que tenho por qualquer outro””.

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Linaldo Guedes é jornalista e poeta. Nascido em Cajazeiras, é radicado em João Pessoa desde 1979. Como jornalista, atuou nos principais órgãos de comunicação da Paraíba e é atualmente repórter do suplemento literário Correio das Artes e diretor-adjunto de Jornalismo da Secretaria de Comunicação de João Pessoa. Como poeta, lançou os livros “Os zumbis também escutam blues e outros poemas”, “Intervalo Lírico” e “Metáforas para um duelo no Sertão”. E-mail: linaldo.guedes@gmail.com

 




Comentários (1 comentário)

  1. W. J. Solha, Belo trabalho do Linaldo. Sou deslumbrado pelo Ariano. Ele e seu ídolo Cervantes são personagens da primeira ópera armorial – Dulcineia e Trancoso – libreto meu, partitura de Eli-Eri Moura, que teve estreia no Recife – Teatro de Santa Isabel – em 2009. O homem podia ser exagerado, mas com razão. Na prática: fiz parte do elenco de O Som ao Redor, do Kleber Mendonça Filho e me espantei ao ver o filme, depois de considerado pelo The New York Times como um dos dez melhores de 2012 no mundo, conseguir apenas onze salas para seu lançamento no Brasil, mesmo premiado em São Paulo, Rio, Salvador, Roterdã, Copenhague, etc. etc.
    10 novembro, 2014 as 18:05

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