A poesia que começa a acontecer


……………Amanda Vital e a poesia que começa a acontecer

 

Sempre fico meio cismado quando um vejo um jovem se lançar no mundo da poesia, em termos de publicação de livro, tão cedo. Nem todo mundo é Arthur Rimbaud, claro. E aqui na Paraíba temos exemplos de poetas, hoje consagrados, que lançaram seus primeiros livros muito cedo e hoje vivem nos sebos catando essas suas obras iniciais porque tem vergonha do que publicaram. Mas hoje as coisas andam numa velocidade tão impressionante que tem uma nova geração se iniciando muito cedo nesta área, e com resultados mais positivos que negativos. Amanda Vital, poeta mineira de Ipatinga radicada em João Pessoa, integra esse grupo. Estudante de Letras e integrante do grupo Aedos, estreou em livro ano passado com “Lux”, pela Editora Penalux, de São Paulo, e já começa a preparar um segundo volume de poesias, desta feita voltada mais para o tema erótico.

Como todo poeta jovem (diria, como todo bom poeta), Amanda erra e acerta em seu livro de estreia. E vamos falar primeiro sobre os erros. Amanda erra quando aposta em clichês, em trocadilhos previsíveis, em poemas-piadas que não fazem rir nem o mais previsível dos humoristas. Porque para fazer esse tipo de poema é preciso cuidado, pesquisa e senso crítico para saber o que funciona e não funciona. Ela às vezes parece que não teve esse cuidado. Podemos ver isso em várias passagens do livro.

Como neste:

“estou de abraços Albertos
pro que André e vier
e espero continuar assim

meu coração e Felipíssimo,
blindado de (Sera) fins”.

Ou este outro:

“na porta da igrea
Ouviu “amém, amém, amém!”
…resolveu amar”.

Mas não se fie por estes poemas. Apesar do pouco mais de 20 anos, Amanda Vital sabe que poesia é algo bem maior que meros trocadilhos ou chavões em cima de “sacadas” previsíveis. E nisso está a carga maior de seus poemas. Uma poesia que cuida, sobretudo, do cotidiano. Não à la Drummond. Apesar de também ser mineira, Amanda tem seu próprio estilo quando fala liricamente das coisas comuns do dia a dia.

Neste caso, cabem definições sobre literatura. Como quando diz: “não julguem um livro/ por sua capa,/ orelhas ou amassados// livro bom mesmo está sempre batizado.”. Ou “poesia se esconde/ no profundo/ da nossa alma// cabe ao poeta/ torna-la acessível/ acesa e legível”.

Mas o melhor da poesia de Amanda está quando ela fala das coisas da família, com um lirismo, nostalgia e poeticidade que surpreende para sua pouca idade. Vários poemas trazem essas reminiscências. Em um deles, ela fala da avó que partiu, deixando as lembranças assarem lentamente (bela analogia com o fogão, a cozinha). Em outro, faz um paralelo do seu tempo com as iguarias que usa na cozinha – carne de sol no almoço, bolinho de chuva no jantar. Em outros, ainda, lembra do vovô que trazia um volume no tecido que compensava o vazio deixado pela vovó.

Nesta linha, gosto muito deste:

“guerreiro é papai
que quando se casou
com minha mãe

levou para casa
uma noiva
e sete gatos

ou era amor demais
ou desejo de aventura

só sei que deu certo –
ninguém miou”.

Amanda deve saber que, citando Oswald de Andrade, “só o escritor interessado por interessar”. E  neste sentido vem reagindo às expectativas em relação à sua estreia em livro com humildade e sabedoria. Ao contrário de Platão, sabe que a poesia não é um peso morto. Claro, poesia se faz com boas leituras também. E Amanda fala sobre isso, de um jeito todo seu:

“não consigo ler
vários livros
ao mesmo tempo

dedico-me a uma história
como se fosse a um homem
e amando mais de uma
sinto que estou traindo!

sou mulher de um livro só”.

Que isso seja apenas quando está em suas leituras. Enquanto poeta, esperamos mais livros. E surpresas bem positivas! Seja bem-vinda ao mundo da poesia, Amanda Vital!

 

 

 

 

 

 

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Linaldo Guedes é jornalista e poeta. Nascido em Cajazeiras, é radicado em João Pessoa desde 1979. Como jornalista, atuou nos principais órgãos de comunicação da Paraíba e foi editor do suplemento literário Correio das Artes por seis anos. Como poeta, lançou os livros “Os zumbis também escutam blues e outros poemas”, “Intervalo Lírico” e “Metáforas para um duelo no Sertão”. Ano passado, lançou “Receitas de como se tornar um bom escritor”, pela Chiado Editora, de Portugal. Prepara novo volume de poesias para lançar este ano. E-mail: linaldo.guedes@gmail.com

 




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