A obra mais popular de Clarice


 

“Se tivesse a tolice de se perguntar ”quem sou eu?” cairia estatelada e em cheio no chão. É que “quem sou eu?” provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto”.

Em 1977, poucos meses antes de sua morte, Clarisse Lispector publicou um livro que seria sua obra mais famosa e amada, A HORA DA ESTRELA. Curiosamente, uma autora que era considerada hermética e difícil, conseguiu uma popularidade imensa, desde a época (começo dos anos 70) em que começou a publicar textos no Jornal do Brasil. Também ajudaram as edições de “A Legião Estrangeira” (contos) e “Para Não Esquecer” (crônicas) pela Ática, as quais a fizeram popular entre os jovens. Ao mesmo tempo, sua figura era mitificada, pelas suas excentricidades, o que fez com que muitos críticos não reconhecessem sua qualidade literária, até hoje.

A HORA DA ESTRELA conta o desamparo da singela nordestina Macabéa, tentando encontrar a felicidade no Rio de Janeiro, “uma cidade feita toda contra ela”. Macabéa é um “fiapo de ser”, mas sempre otimista e esperançosa: “Macabéa, ao contrário de Olímpico, era fruto do cruzamento de “o quê” com “o quê”. Na verdade ela parecia ter nascido de uma ideia vaga qualquer dos pais famintos”.

Quem nos relata as aventuras (ou desventuras), da mais frágil heroína da nossa literatura é o escritor Rodrigo S. M.; apesar de adorar o livro, acho que ele é o ponto fraco do texto, pois Clarisse não consegue criar uma voz narrativa masculina. Rodrigo S. M. tem o mesmo tom das narradoras femininas dos outros livros da genial escritora (“A Paixão Segundo G. H.”; “Água Viva”). Isso não impede que haja passagens belíssimas, contudo, as primeiras páginas pareçam trôpegas (aliás, eu particularmente prefiro sua fase “hermética”, onde estão seus livros supremos: “A Maça no Escuro”; “Laços de Família”; “A Paixão Segundo G. H.”).

No entanto, o livro é de Macabéa. O fiapo de gente confirma as palavras do narrador: “Sim, estou apaixonado por Macabéa a minha querida Maca, apaixonado pela sua feiura e anonimato total pois ela não é para ninguém”. Ledo engano, Rodrigo S. M., ela é para todos nós.  Todos somos apaixonados por Macabéa.

 

[Uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos em 02 de maio de 2017]

 

 

 

 

 

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Alfredo Monte é natural da Baixada Santista, corinthiano, doutor em teoria literária e literatura comparada, professor apaixonado pelo ensino fundamental e crítico literário do jornal A TRIBUNA de Santos há 19 anos. Mantém o blog literário Monte de Leituras há quatro anos. E-mail: armonte2001@yahoo.com.br




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