A morte de Antonio Candido


 

Admiro muito o crítico americano Harold Bloom, porém, me sinto afastado dele por causa do excessivo peso que ele dá à individualidade estética, como se cada gênio literário fosse um milagre independentemente da época a qual pertence. Com Antônio Cândido aprendi que o contexto (momento histórico, a recepção do público etc) faz parte da obra literária, interiorizando-se até em seus aspectos formais, e que a excelência artística não está solta no espaço como se tudo dependesse apenas do talento.

O nosso maior crítico literário, morto aos 98 anos, em seu monumental “Formação da Literatura Brasileira” (1959), prova cabalmente que a preocupação cada vez mais visível, desde a era colonial, é com a constituição de uma identidade nacional, e isso é a base (e permite compreendê-la) da obra de José de Alencar. Essa visão do fenômeno literário explica a razão de estudarmos livros às vezes muito fracos, mas que têm sua razão de ser na sequência histórica.

Cândido, além de ter renovado a crítica de jornal, foi um magistral ensaísta, em obras como “Literatura e Sociedade”; “Ficção e Confissão”; “A Educação pela Noite”; “O Discurso e a Cidade” (um dos meus livros favoritos). Em “Esquema de Machado de Assis”, em poucas páginas, sucintas e brilhantes, ele elenca todos os motivos e características que merecem a atenção do leitor da ficção machadiana, é uma verdadeira mina de ouro. O fascinante é que, além da qualidade da análise, o estilo (ao contrário de outros grandes críticos brasileiros, notadamente Luiz Costa Lima, uma leitura árdua e espinhosa) é límpido, cristalino.

Antônio Cândido foi um dos homens exemplares do século passado. Era lúcido, generoso, com um engajamento político que, em retrospecto, nos enche de orgulho e tristeza, uma preocupação pedagógica admirável (explicando, por exemplo, num famoso ensaio, o que é um personagem de ficção, ou como fazer a análise de um poema, em “Na Sala de Aula”). Tive a sorte de fazer a pós-graduação com alguns de seus discípulos, como Davi Arrigucci Junior, o falecido prematuramente João Luiz Lafetá.

O único senão (que, inclusive, me afastou da vida acadêmica) ao mestre e seus discípulos é a relutância em abrir o cânone para novos autores, o que eu considerava um conservadorismo deplorável, não sei se as coisas mudaram. Clarice Lispector conseguiu entrar, apesar da má vontade de quase todos eles. Mas eu ouvi, espantado, que Hilda Hilst, Carlos Nejar, Adélia Prado, nunca entrariam no departamento de Teoria Literária da USP, eram leituras adolescentes. Uma pena. Um time tão excepcional e tão restritivo, o que não tira a importância essencial de Antônio Cândido para a história do Brasil.

 

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[Uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos em 16 de maio de 2017]

 

 

 

 

 

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Alfredo Monte é natural da Baixada Santista, corinthiano, doutor em teoria literária e literatura comparada, professor apaixonado pelo ensino fundamental e crítico literário do jornal A TRIBUNA de Santos há 19 anos. Mantém o blog literário Monte de Leituras há quatro anos. E-mail: armonte2001@yahoo.com.br




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