A fortaleza literária


 

A poesia, ainda há quem diga, anda abandonada. Quando essa conversa surge, tento revidar, começo a falar sozinho ou com o amigo que estiver ao lado sobre os livros de poesia que estão sendo editados, das editoras que surgem e tentam, contra a corrente editorial, publicar obras poéticas de novos autores. Parece-me, então, que a poesia custa perder a fama de que não vende, como se isso fosse o imprescindível, o essencial.

É mais do que evidente, para os agentes do sistema literário, que é necessário vender livros para que seja possível manter uma linha editorial ativa. Ao mesmo tempo, não entendo porque vários escritores e jornalistas ainda têm a ousadia, pois é isso que me parece, para não ser um pouco menos elogioso, de dizer que a poesia está quase morrendo em solo brasileiro. Ao meu entender, pelo parco conhecimento que tenho, a poesia nunca esteve tão bem.

Apesar de não ter como fazer uma comparação com outros tempos, realizando comparações quantitativas quanto à venda de livros de poesia e de números de obras deste, acredito que estamos melhor do que antes. Entenda-se melhor uma palavra que indica uma possibilidade de termos mais acesso aos livros de poetas, seja dos grandes poetas – que até hoje, com suas frases ou versos, reverberam nas redes sociais, jornais, revistas e, principalmente, portais literários –, seja dos autores estreantes, de preferência brasileiros.

A poesia, posso dizer, permanece viva, mesmo com a mudança dos tempos, com os avanços tecnocráticos, tendo invadido sistemas virtuais principalmente, a poesia invadiu um pouco mais a sala de estar. Contudo, a verdade é que apesar dela estar respirando sem ajuda de aparelhos, a burocracia governamental vai impedindo-a fortemente, enquanto alguns poucos artistas das letras esperneiam reclamando que não há nada para a arte literária, e mesmo assim ainda tentando conquistar mais leitores.

Apesar de, em nosso país, haver vários editais que tentam contribuir, de certa maneira, para a divulgação da arte para a sociedade, premiando as pessoas que têm coragem de parar para escrever um projeto que possa ser contemplado com apenas 10 mil, ou com montantes, como os do PROAC, do estado de São Paulo, de 150 mil, isso ainda é muito pouco tendo em vista as proporções culturais que o povo brasileiro possui e que acabam sendo submergidas entre tanta burocracia e má vontade.

Tentando delimitar o problema, mas sem conseguir trazer soluções, no momento, poderia evidenciar o que ocorre em Fortaleza, pois, tanto aqui como em outras grandes e pequenas cidades, os parcos editais não dão conta da tamanha criatividade de sua população. As terras de José de Alencar andam com suas ondas a bravejarem apenas perto do quebra-mar, já não atingem mais os pés dos artesãos da palavra ou de qualquer outra arte de maneira a banhá-los com apoio. Parece, apenas parece, que o governo esqueceu que a literatura, além de arte, é cultura. Afirmo isso porque, nos últimos anos, a literatura não tem tido o mínimo de envolvimento nos eventos culturais da cidade ao contrário de outras artes, como as artes visuais e o cinema, que, também com muito suor, conseguem a ter um pouco mais de espaço neste momento, principalmente junto ao Porto Iracema das Artes. O teatro, apesar de também esquecido, consegue, a duras penas, caminhar “sozinho”, enquanto a prima feia tenta, através de poetas, que têm de se tornar pequenos produtores culturais, manter-se viva.

Os centros culturais de Fortaleza, capital do Ceará, andam às tontas com a literatura no Estado. Fazendo um balanço desses últimos parcos anos, foram poucos os eventos literários que ocorreram na cidade, até mesmo quanto a lançamentos de livros. Apesar de ter ocorrido ano passado, 2013, a FIB – Festival Internacional de Biografias (que teve pouquíssima divulgação entre a população), e a FLAQ (Festival Literário de Aquiraz), que também não conseguiu ainda se fazer conhecer dos leitores que cá existem, nesses dois últimos anos, não lembro de outros grandes eventos nas redondezas de Fortaleza ou no estado do Ceará.

Contudo, alguns centros culturais permanecem vivos na memória de quem escreve, abrindo espaço sempre para os novos autores e artistas cearenses, como é o caso do Salão das Ilusões e o Andar de Cima, locais onde é possível unir artesanato, literatura e música, ambos mantidos por pessoas que amam a cultura, a arte, e tentam, sem apoio algum do estado, permanecer abertos.

Além deles, o que contribui para que a literatura permaneça viva em nossa cidade é a existência de alguns espaço literários, como o Bazar da Letras, mediado pelo escritor Carlos Vazconcelos, promovido pelo SESC; o programa de rádio Autores & Ideias, mediado por Lílian Martins, na rádio da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará. Outro espaço, surgido há pouco tempo, é o Espaço OPOVO de Cultura & Arte, local criado na sede do Jornal OPOVO, um dos maiores jornais da cidade. E não se pode esquecer da primeira academia de letras do país, que foi a do Ceará, que realiza, ainda, mesmo que parcamente, algumas palestras literárias que dão o que falar. Isso sem falar nos portais sobre literatura que começam a contribuir efetivamente promovendo e apoiando eventos, como o portal LiteraturaBr, capitaneado por esse que vos tem, e o Almanacultura, criado pelo tão conhecido escritor Raymundo Netto.

Mas falar dos movimentos literários de Fortaleza sem falar dos grupos ou coletivos que existem é quase impossível. Grupos como o Templo da Poesia, que possuíram, no centro da cidade, um palco aberto, constantemente, foram importantíssimos e ainda o são (estão a criar a Vila dos Poetas numa cidade vizinha, chamada Maranguape) para a difusão da poesia em nossa cidade. O grupo Imagem, que possui entre os seus membros Tito de Andreia e Lucas Dib, mantém-se ativo fazendo performances literárias, seja em quintais de quaisquer casas ou em esquinas no bairro do Benfica. Além deles, um dos grandes incentivadores da literatura, em Fortaleza, é o escritor Carlos Emílio, que sempre esteve à frente de inúmeros eventos culturais, como as Rodas de Poesia realizadas, durante muitos anos, no Centro Cultural do Dragão do Mar. Ainda se tem os Poetas de Quinta, formado pelos escritores Silas Falcão, Frederico Régis, Carlos Nóbrega, Carlos Vazconcelos, Poeta de Meia-Tigela e Pedro Salgueiro.

Mas isso tudo anda um pouco de lado, pois, sejamos sinceros, sem dinheiro não há como viver de cultura, quiçá de literatura. Acha-se, entre a população, que o artista, seja ele cantor, poeta ou artesão que devemos viver do que amamos sem haver necessidade alguma de ganhar o seu pão. Ridícula inocência. Não achar que uma pessoa pode ser poeta ou escritor de profissão é no mínimo não entender como o mundo funciona. Se pararmos para pensar, neste momento, a escritora mais falada do Ceará, e que reside em Fortaleza, quem é? Não será a tão afamada Ana Miranda, que já conquistou os leitores de sua terra, mas Socorro Aciolli, que com seus livros infantis galgou outros patamares, atingindo um reconhecimento entre um público que antes não sabia quem ela era (E afirmo isso porque conheço escritores que não sabiam quem ela era realmente no “jogo do bicho”, como costumamos falar). Vejam só! A autora chegou a vencer o Jabuti com seus livros infantis, e com uma enérgica publicidade e com a publicação de seu livro “A cabeça de um santo”, pela Companhia das Letras, ela conseguiu, pelo menos é assim que vejo, chamar muito mais a atenção de uma gama enorme de seus conterrâneos. Não estou dizendo que isso só foi possível porque houve um marketing bem realizado para que Socorro tivesse sua vez, não se pode desmerecer sua escrita, em hipótese alguma, mas isso deixa evidente que para um escritor poder ter um pouco mais de espaço, novamente, é preciso de dinheiro para que ele possa ter um suporte de apoio. Mas não se pode esquecer que tudo foi lentamente pensado e conquistado por ela depois de anos e anos trabalhando, ou seja, escrevendo! Porque é isso que ela faz, escreve e publica seus livros como escritora profissional, vivendo disso.

Enquanto isso, autores da terra que já deveriam ter tido mais livros publicados por qualquer editora, como as duas ótimas casas editoriais que temos em nossa cidade (Armazém da Cultura e a Demócrito Rocha), andam esquecidos, como o Poeta de Meia Tigela, Uirá dos Reis, Ayla Andrade, entre outros. Mas por quais motivos essas casas editorias não publicam novos autores ou autores “marginais”, como muitos gostam de tachar? Sinceramente, eu não sei. Os livros dessas editoras são de ótima qualidade, contra fatos não há argumentos, desde o conteúdo ao material gráfico, mas em seus catálogos a maioria dos autores são pessoas que já possuem um nome “sólido”, que provavelmente trará algum retorno financeiro. Eu entendo isso, perfeitamente, pois numa terra escassa de editoras, onde o sistema editorial é fraquíssimo, nada mais justo do que não sofrer nenhum risco.

E, assim, vamos caminhando sem muitas estruturas, dependendo de pessoas que tenham o mínimo de loucura para tentar novas veredas. Desta maneira, foi que o poeta, multiartista, Uirá dos Reis, há alguns anos, criou o selo chamado SuburbanoCo. voltado para divulgar novas bandas e músicos através, principalmente, do mundo virtual, e para publicar livros, porém apenas dois foram lançados, até agora, acredito eu, devido às dificuldades financeiras.

Nesta mesma vereda, encontra-se outro poeta e produtor cultural, Mardônio França, que acreditando que somos todos corsários e que vivemos entre maremotos frasísticos, tenta dar andamento a publicações de novos autores. Foi assim que, a partir do seu portal literário, chamado Corsário, criou a revista Corsário e a editora Corsário. Mas que, também, desde setembro de 2013, anda com suas em stand by.

Seguindo esses passos, e de tantos outros editores que criaram do nada as suas editoras, surge a Editora Substânsia, que lançou o seu primeiro livro em maio deste ano. Uma ousadia como dos editores citados, tendo em vista o defasado sistema literário da cidade de Fortaleza,  e que visa, inicialmente, a publicação de autores cearenses, como a contista Ayla Andrade, autora conhecida do meio literário, mas que só agora terá o seu primeiro livro publicado.

Tudo isso demonstra a falta de percepção das Secretarias de Cultura, deixando a literatura de escanteio. Na capital do Ceará, é difícil, até mesmo, conseguir um espaço para a realização de um Sarau. É necessário que escritores se tornem produtores, como Talles Azigon, poeta, editor da Substânsia e membro do Templo da Poesia, para correr atrás de realizar eventos, seja em espaços privados ou públicos. Como ele, há ainda o escritor Silas Falcão, editor e escritor, que  criou, em parceria com o SESC, o projeto Abraço Literário Itinerantes, que ocorre junto a algumas escolas públicas, levando ao conhecimento dos alunos autores que acabaram de ter seus livros publicados, principalmente aqueles que se autopublicam. Este mesmo escritor também criou um selo editorial chamado LuAzul.

É difícil, em um texto apenas, abarcar o movimento literário que ocorre em Fortaleza, ou no estado do Ceará. Apesar de ter pontuado alguns espaços e pessoas que, acredito, são importantes para que a literatura continue a pulsar nas terras alencarinas, ainda seria necessário de mais tempo para falar de pessoas, como Mileide Flores, que, há décadas, luta em prol do livro e da leitura, através de políticas públicas ou da permanência de sua livraria a Caixeiro Viajante. Ainda há também a livreira Elisa, proprietária da tão conhecida livraria Lua Nova, que tenta promover espaços, como o Mercado de Lua, que une artesanato, música e literatura.

O que fica perceptível com tudo o que disse é que as ações ocorrem porque existe um punhado de pessoas que tenta ser além do que se é para conseguir espaço para que a Literatura continue viva. O poeta tem de virar produtor, o contista tem que virar editor, o editor tem que virar agenciador para captar recursos e realizar eventos, e assim por diante. Poderíamos, claro, estar sempre pondo a culpa no governo, pois sabemos que a culpa é da falta de investimento para que a leitura possa chegar com mais força nas escolas, para que haja mais eventos não apenas de literatura, mas de todas as artes. Sem isso é impraticável conseguirmos um pouco mais de conhecimento sobre tudo. Assim, o cearense vai, aos poucos, definhando, tendo que viver da paixão de muitos, mas incentivada por poucos.

 

 

 

 

 

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Nathan Matos é escritor e editor do portal literário LiteraturaBr, Revista Substânsia e Editora Substânsia. E-mail: nathanmatosm@gmail.com

 




Comentários (2 comentários)

  1. David Duarte, O texto é pertinente. Entretanto faço minha ressalva no tocante à falha que foi, em minha opinião, falar mais de uma vez do “Templo da Poesia” sem sequer citar o nome de Italo Rovere, artista, poeta que, obstinadamente, doou-se e continua a doar-se, tendo aberto – literalmente – as portas de sua casa para acolher esta nobre modalidade literária e seus resistentes artífices. A “Vila dos Poetas”, à propósito também citada no texto, já é realidade e seus primeiros saraus já acontecem num espaço campestre de convivência, nas proximidades da cidade de Maranguape, onde Italo, a exemplo do que ocorria no espaço do centro de Fortaleza, fechado principalmente pelas precárias condições de segurança daquela região metropolitana, é anfitrião. Resumindo: não dá para falar de Poesia Fortalezense – ou cearense – sem lembrar de Italo Rovere e sua preciosa contribuição.
    8 setembro, 2014 as 3:56
  2. Nathan Matos, David, foi uma falha evidente, mas quando pensei no Templo, pensei em todos os que conheço que o fundaram e fazem parte dele. Na realidade, foi realmente um esquecimento no ato da realização do texto. Você pode ver que é difícil falar sobre tudo isso e não esquecer um nome ou outro. Mas concordo plenamente com seu comentário.
    17 setembro, 2014 as 1:10

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