A era da autopublicação


A era da autopublicação fecha o “Parêntese de Gutenberg”

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O artigo a seguir pode ser resumido à seguinte sentença (cabe propositalmente em um tweet): Autores brasileiros esqueçam as editoras tradicionais e autopubliquem suas obras, é o melhor que vocês fazem.

Se o tema ainda assim lhe interessar, digo isso para evitar aborrecimentos ou decepções, que dependerão do nível de sua crença no mercado editorial tal e qual o conhecemos hoje, vamos em frente.

Mas, antes quero abrir um parêntese.

Thomas Pettitt é professor de história da cultura da Universidade do Sul da Dinamarca e tem uma tese bastante curiosa. Pettitt afirma que as novas tecnologias da informação e da comunicação estão levando a Humanidade de volta à cultura de transmissão oral de informação e conhecimento, tornando a época que vai da invenção da prensa, no século XV, até o advento das mídias eletrônicas, um parêntese na História, ou, como Pettitt prefere o “Parêntese de Gutenberg”.

Pettitt vai além. Nesse futuro pós-imprensa” para o qual caminhamos, podemos receber mensagens escritas (não importa o tamanho da mensagem) quase tão rapidamente como se estivéssemos falando com o emissor da mensagem. É como se estivéssemos falando pelos dedos.

Parece que um ciclo, um longo ciclo se fecha. Temos realmente essa impressão em relação ao mercado editorial tal e qual o conhecemos hoje. Vivemos um momento em que repensamos (apesar dos esperneios dos “tradicionalistas”) novos conceitos, não somente de mercado editorial, mas também de livro e até de leitura.

O insight do professor Pettitt não é isolado. A era digital derruba a barreira entre a imprensa tradicional e as novas mídias. Ao falarmos da mensagem escrita, e ela também sofre mudanças, não podemos nos esquecer das mudanças experimentadas pelos seus emissores, não apenas daquelas que se aplicam aos meios utilizados para a transmissão da mensagem.

Certos emissores, os autores, por exemplo, até bem pouco tempo, durante o tal “Parêntese de Gutenberg”, precisavam de intermediários (editores e livreiros) para que suas mensagens chegassem aos receptores. Isso está mudando. Gutenberg está muito cansado.

Parêntese fechado.

Agora, sim, vamos ao tema principal de hoje, que diz respeito aos emissores das mensagens, ou seja, os autores (potenciais ou já publicados), aos que se dedicam a literatura tradicional, como romancistas, contistas e poetas, mas também (e até em especial) àqueles dos livros técnicos e profissionais das áreas de tecnologia, marketing, vendas, saúde, linguistas, crítica literária, etc, enfim, você que tem uma ideia e quer escrever um livro, ou, até mesmo, você que já esteja de posse dos seus originais finalizados.

O próximo passo é claro: a publicação desses originais. Mas, como você pode realizar essa tarefa? Como submeter seus originais a uma editora? E, no caso de optar pela decisão de autopublicar seu livro, quais empresas e ferramentas da internet podem lhe ajudar nesse processo?

Antes de falar do “como fazer”, quero mostrar um exemplo prático que ilustrará bem o tema sobre o qual tratamos hoje.

Há mais ou menos 4 anos, lembro-me de apresentar ao amigo Cezar Taurion, da IBM Brasil, a Smashwords, uma plataforma de autopublicação americana. E esse é um bom exemplo. Explico: o Cezar, que, frequentemente, escreve em blogs, precisava de um ambiente rápido e prático, sem a burocracia das editoras, através do qual ele pudesse organizar uma série de artigos relacionados em e-books temáticos.

Esse era um dos diálogos que Cezar, o autor, o emissor da mensagem, procurava estabelecer com os seus leitores, ou os receptores de sua mensagem. Desde então, o diálogo foi estabelecido, e Cezar Taurion tem autopublicado, regularmente, seus livros digitais. Hoje, pelo menos nove deles podem ser encontrados e baixados (gratuitamente) em http://www.smashwords.com/profile/view/ctaurion.

A Smashwords é uma dos maiores editoras eletrônicas do mundo, tendo publicado em seus 4 anos de existência, cerca de 140.000 títulos a partir de cerca de 50.000 autores. Na Smashwords, qualquer um de nós, que tenhamos um livro pronto, não importa a quantidade de páginas, podemos  autopublicar esse trabalho e colocá-lo à disposição do público nos mais diversos sites de venda de livros, incluindo Amazon e Apple store.

Essa editora 2.0 surgiu quando, há alguns anos, Mark Coker, seu fundador, teve os originais de um livro seu recusado por várias editoras. Mark, um empreendedor, resolveu, então, criar a Smashwords. A estimativa da empresa para este ano é que a venda de seus e-books gere faturamento bruto entre 18 e 20 milhões de dólares. Hoje, cinco dos autores mais vendidos na iBookstore da Apple são autores da Smashwords.

O mundo interconectado e sem fronteiras da internet representa autonomia e desintermediação, o que, hoje, faz todo o sentido. A Smashwords, entretanto, não é a única solução à disposição dos autores. Várias outras empresas oferecem a possibilidade de colocar autores em comunicação direta com o seu leitor. Nesses ambientes, não encontraremos muitos dos vícios do mercado editorial tradicional inseridos por seus diversos (e muitas vezes inócuos) intermediários.

No “mercado editorial tradicional”, um autor “de qualidade” é aquele publicado por uma editora. Isso é um axioma, e axiomas, como sabemos, são fundamentos de demonstração e, portanto, não são discutidos. Quer dizer, não eram.

Poucos postulantes a escritor, talvez, sabem que existe todo um ritual (esotérico ritual) a ser executado para que seus originais, nascidos de noites e mais noites insones (supondo que durante o dia, você atue em outra profissão qualquer que não seja a de escritor), cheguem às mãos dos seus futuros leitores.

A primeira coisa a fazer, claro, é escrever o seu livro. Isso é sua tarefa de autor. Depois, você enviará esses originais para uma editora, que pode ou não se interessar em publicá-los. Aqui temos a primeira etapa do ritual, o primeiro problema (muito comum, na relação – ou falta de relação – entre novos escritores e editoras): se você não for um escritor conhecido, com perspectiva de bom público, há grande chance de seus originais sequer serem lidos: “originais não solicitados, originais ignorados” é mantra dentro de muitas editoras.

Nesses casos, você sequer receberá o famoso “e-mail de recusa”. Esse e-mail (que não significará, necessariamente, que seus originais tenham sido lidos) informa ao autor que a editora não se interessa em publicar seus originais. Trata-se de uma mensagem impessoal e padronizada. Há alguns anos, era uma simples carta (muitas vezes, uma “xerox” de carta).

A verdade é que as editoras, por muitos anos, assumiram o papel (e como gostaram desse papel) de “gatekeepers”, ou porteiros, aqueles que selecionam quem ou não deve ser publicado. Como esse suposto direito tem sido cada vez mais questionado com a internet, eis o grande desafio que as editoras precisarão enfrentar para não se tornarem fósseis: como transferir (e de preferência por bem) a tarefa de escolha do que deve ou não ser lido para o leitor?

As editoras só conseguirão executar essa tarefa com a tecnologia. E isso tem a ver com as novas obras, mas também em relação às obras fora das prateleiras das livrarias, “esgotadas”. No mundo dos livros em formato digital não existe obra esgotada.

A próxima etapa do ciclo de vida do seu livro dentro de uma editora é a produção propriamente dita desse livro. Seus originais serão revisados, diagramados, a capa será projetada e construída, o livro será impresso, a versão e-book será produzida, os livros serão distribuídos nos diversos canais de vendas e, ao ser comprado, ele chegará às mãos do leitor. A partir daí, inicia-se o diálogo.

Na prática, você, autor, está terceirizando a produção editorial do seu livro. Esse processo todo, em média, levará entre 6 meses e 1 ano. Esse modelo, aviso, tem seus dias contados. Por vários motivos.

Os custos de produção são da editora. Você, autor, receberá em média (esse valor poderá variar de editora para editora) 10% do preço de capa por exemplar vendido. Esses serão seus royalties. Faça a conta você mesmo: um livro cujo preço de capa seja, digamos, R$ 40,00 em tiragem média, que no Brasil é de 2.000 a 4.000 exemplares. Quanto você ganhará no final dessa batalha se conseguir (o que no modelo atual é realmente um grande desafio) vender toda a tiragem? Calculou?

A grande problema é que, principalmente em relação aos livros impressos, todo esse processo no fundo representa a aplicação de uma tecnologia do século XV (os livros impressos),  um modelo de negócios do século XIX (o modelo das livrarias), e a tentativa de encaixar isso tudo em um mercado consumidor do século XXI.

Não está dando certo. Não pode dar certo. Pensem bem: como é que isso daria certo?

Nas empresas que oferecem o serviço de autopublicação o funcionamento do processo é diferente. Por cada exemplar vendido, é você que paga uma comissão à empresa pelo uso de sua plataforma. Você é o dono do negócio, entende? A Smashwords, por exemplo, paga ao autor cerca de 85% do preço de capa de um e-book vendido. Não é por acaso que nos EUA e Europa, muitas das editoras tradicionais já possuem uma linha de autopublicação.

As vendas de livros caem nos EUA e na Europa. No Brasil, onde os números não são muito fáceis de serem obtidos, paradoxalmente, é mostrado no estudo “Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro”, realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (FIPE/USP), que houve um aumento de 7.2% de vendas no mercado literário nacional. Como expliquei no artigo de semana passada são números que devem ser analisados com critério.

Agora, vamos ver o caso (muito mais comum) de seus originais terem sido rejeitados por uma editora tradicional (ou como a Amazon geralmente a elas se refere: editoras legadas).

Se você, autor, foi “barrado” por uma editora, ou, caso você seja, como o meu amigo Cezar, um autor empreendedor, que compreende que o mais importante é ser lido por seu público e que, sendo bem informado, sabe que, hoje, para que isso seja conseguido, não precisamos de tantos intermediários (para gerenciar sua relação com seus leitores), poderá encontrar nas editorias eletrônicas a solução perfeita.

Além de produzirem seus livros, muitas vezes gratuitamente, sites como o da Smashwords, possuem alternativas de distribuição, via internet ou impressão sob demanda, fazendo que, a partir do momento que você realiza o upload do arquivo digital do seu livro, a partir daí, eles tratarão de todo o resto do processo (até, quando for o caso, enviar seu livro impresso sob demanda para o leitor através dos Correios).

Além da já citada Smashwords, outros bons exemplos de editoras eletrônicas ou sites de autopublicação são: Bubok (Portugal, Espanha, Argentina), Per Se (Brasil), Universo do Autor (Brasil), Clube de Autores (Brasil), Bookess (Brasil), Create Space (EUA) e Lulu (EUA). Entre tantos outros. É um mercado que não para de crescer. Representa efetivamente aquele modelo “cauda longa” proclamado pelo Chris Anderson há poucos anos.

Esses sites também oferecem, em seus mais variados pacotes, uma série de serviços editoriais aos seus clientes. Assim, você pode escolher usar uma ferramenta automatizada embutida nos sites ou contratar, através do próprio site, uma série de serviços de vários profissionais da cadeia do livro, como diagramadores, revisores e capistas.

Enfim, a mensagem (otimista) que quero deixar aos autores brasileiros é que devem, eles mesmos, assumir a responsabilidade por sua carreira. As editoras brasileiras não estão preparadas para absorver a demanda cada vez mais crescente de autores, que não se resumem apenas a romancistas, contistas e poetas da literatura tradicional.

Autores de não ficção, história, tecnologia, negócios, marketing, vendas, saúde, direito, etc, poucos, terão, daqui para a frente, as (mitológicas) “propostas irrecusáveis” de publicação que, talvez um dia tenham existido, no mercado tradicional.

Também devemos nos lembrar que não basta publicar. Se o livro não for bem divulgado, não vende. Hoje, as editoras, cuja verba de marketing não está sobrando, não deveriam preterir de um bom trabalho nas mídias sociais. O problema é que poucas sabem ainda como usá-las para divulgar e vender livros.

Em breve, chegarão no mercado editorial brasileiro, as empresas estrangeiras do setor. Vai haver uma boa sacudida, pois, praticamente todas elas oferecerão uma opção de autopublicação. Disso, não temos dúvidas. Gutenberg, seu modelo e tudo o que ele representa estão “extenuados” e em xeque.

Por isso, digo: mãos à obra autores brasileiros!

Autopubliquem suas obras. Usem a internet e os sites de e-commerce para divulgá-las e vendê-las. Estejam nas redes sociais, no Twitter, no Facebook, no Pinterest. Vocês não vão se arrepender. Aliás, se pararem para pensar, vocês verão que não há outra alternativa, no fundo, nunca houve: é você que tem que estar no comando da sua carreira.
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C. S. Soares é Diretor-Executivo da Obliq Press, startup carioca especializada em engenharia e tecnologia editorial, representante oficial no Brasil da plataforma editorial on-line Pressbooks. E-mail: claudio@obliqpress.com




Comentários (3 comentários)

  1. Fernando Rocha, Cara, este artigo é de grande valia para os nossos tempos. Talvez devemos deixar o fetiche do objeto físico de lado e nos apegarmos ao esquema de Jakobson, fazendo com que a mensagem chegue nos receptores, independente do veículo.
    3 agosto, 2012 as 23:07
  2. Fernando Rocha, Cara, tenho um livreto de contos inédito, estava pensando em abandonar a possibilidade de encontrar emissores para esta mensagem, mas o seu artigo, me trouxe uma nova luz. Talvez seja bobagem, mera fantasia da vaidade, o apego ao objeto físico.
    4 agosto, 2012 as 15:12
  3. C.S. Soares, Fernando, obrigado pelo comentário. Não encare a vontade de publicar como bobagem, fantasia ou vaidade. É um diálogo legítimo que autores desejam estabelecer com seus potenciais leitores. Existem diversas alternativas para além do antigo (e muita vezes deficiente) modelo das editoras. Muitos autores, infelizmente, apenas conhecem o antigo modelo. As plataformas editoriais eletrônicas somadas à distribuição e à impressão sob demanda se configuram em uma solução robusta para os autores (jovens e experientes) atingirem diretamente seu público. Algumas soluções, inclusive, apresentam relatórios de venda on-line, permitindo uma visão mais clara da performance comercial da obra, um indicativo importantíssimo para o estabelecimento (ou reestabelecimento) de estratégias e metas de venda. Forte abraço e boa sorte.
    5 agosto, 2012 as 15:04

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