A Branca de Neve de Paul McCarthy


Um dos grandes destaques culturais do verão nova iorquino foi a surpreendente instalação/performance WS (White Snow / Branca de neve), do artista norte-americano Paul McCarthy (1945), aberta ao público entre os dias 19 de junho e 4 de agosto no imponente Park Avenue Armory, um prédio do século dezenove que ao longo dos anos acolheu trabalhos e performances artísticas que não puderam, por questões práticas, ser montadas em museus tradicionais.

Paul McCarthy é um dos artistas mais influentes da cena contemporânea internacional. O artista começou sua carreira nos anos 1960, em San Francisco (Califórnia), mas alcançou reconhecimento duas décadas mais tarde. As primeiras performances de McCarthy, no início dos anos setenta, exploravam o corpo (principal ferramenta do artista), a sexualidade e as iniciações rituais xamânicas. Em Sauce (Molho), de 1974, McCarthy usou seu próprio corpo nu como suporte, cobrindo o órgão genital e outras partes com molho de tomate Heinz, uma conhecida marca norte-americana.

Em WS, o que o público viu — e ainda verá, pois a performance excursionará por outras cidades dentro e fora dos Estados Unidos –, no salão principal do Park Avenue Armory foi a típica casinha inacessível no meio de uma imensa floresta, tão comum nos contos dos irmãos Grimm (uma das referências do artista norte-americano), algo tão misterioso quanto ameaçador. Na frente da floresta, porém, uma outra casa, essa acessível, tinha as janelas abertas ao alcance do espectador, que podia assim espiar seu interior caótico e obsceno.

Enquadrando isso tudo, grandes telões exibiam vídeos de uma orgia da qual participavam duas brancas de neve, os sete anões e “Walt Disney”, interpretado pelo próprio Paul McCarthy. A casa que os olhos do espectador perscrutavam era uma cena pós-orgia, tão chocante quanto repugnante.

Em WS, como em quase todos os seus trabalhos, Paul McCarthy fez uso de materiais e de técnicas diversas, inclusive montou uma pequena lojinha onde se podia comprar bonecos dos personagens da “Disney” que haviam protagonizado a performance, todos falsamente assinados pelo próprio Walt Disney. Contudo, nessa lojinha, que é quase um sex shop, esses bonecos perderam sua ingenuidade e ganharam uma áurea libidinosa. Adquirir um desses objetos acaba se tornando uma espécie de fetiche.

Novamente, Paul McCarthy usou molho de tomate e de maionese para representar excrementos do corpo. Uma das características das instalações de McCarthy é justamente transformar elementos do uso do cotidiano de uma família norte-americana comum (aspirador de pó, árvore de natal, revistas, artigos culinários etc.) em símbolos perversos, remetendo à violência sexual, deboche, decadência etc.

Num trabalho de 2009, a Branca de Neve já havia sido tema de McCarthy, onde, entre desenhos e colagens baseados no filme da Disney – Branca de Neve –, a protagonista aparecia rodeada de símbolos fálicos e de celebridades espalhafatosas. O interesse de McCarthy pelos personagens do universo infantil dos filmes da Disney é, como se verifica, antigo. Convém lembrar que o artista estudou cinema na Universidade do Sul da Califórnia, uma escola muito ligada à indústria cinematográfica hollywoodiana.

McCarthy faz sem dúvida uma crítica feroz à sociedade ocidental – mais especificamente à sociedade norte-americana -, que ele vê como deturpada, doente, consumista, mesmo quando se disfarça em “personagens” inocentes.

 

 

.

Dirce Waltrick do Amarante é autora de “As antenas do caracol” e “Pequena biblioteca para crianças” (Iluminuras).

 




Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook