A árvore invisível



.
Da vida no campo, trouxera a falta de pressa, a vontade de olhar para o que aos outros parecia nada, a falta de proteção em se entregar aos diálogos com estranhos, com os quais talvez, nunca mais voltasse a encontrar.

A saudade existia mais como forma de transformar o que não tinha acontecido em algo belo, lembrar era duro demais, o melhor era fantasiar. No bolso de uma calça encontrou uma semente. Onde poderia plantá-la? A paisagem que o cercava era composta de asfalto e cimento.

O plantio que fora motivo de tristeza e desengano, era agora forma de comprovar sua existência, mas como florescer em meio ao embrutecimento erva-daninha da metrópole?

O sonho de ser alguém, o motivou a mudar, deixando para trás pessoas próximas que mesmo não o compreendendo, mascaravam a solidão.

A semente que só brota depois de ser soterrada, indicava que para concretizar algo era preciso doar-se por completo, desaparecer, para que a obra pudesse florescer. Embarcou no ônibus e depois de um longo tempo prolongado pelo trânsito, desceu.

Sua habilidade no trato com a terra, antes maldição hereditária, agora lhe seria útil como nunca. Com uma pequena pá, cavou o que parecia uma cova, ali deixou os papéis encadernados em dois longos volumes, que logo foram cobertos, aquecidos e esquecidos.

Não voltou para o pequeno apartamento, passou na rodoviária e comprou uma passagem para o primeiro destino que ainda tinha passagens disponíveis, adormeceu no banco do ônibus e sonhou com o germinar da sua obra, que floresceria quando ele não mais aqui estivesse.

 

 

 

 

.

Fernando Rocha da Silva, professor, ex-blogueiro, ex-pseudo-poeta, um cara comum. Trabalha agora num livro de narrativas curtas. E-mail: fernando.umcaracomum@gmail.com




Comentários (4 comentários)

  1. Marcia Barbieri, Grande conto!!!! Já tinha tido o prazer de ler.
    27 março, 2012 as 16:22
  2. Daniel Lopes, Belíssimo conto do meu amigo Fernando. Um ser humano ímpar e um artista único. Lembrando sua lírica seca Fruit Tree de Nick Drake e poesia cotidiana do Bandeira. Parabéns, mano.
    27 março, 2012 as 16:27
  3. Carlos Davissara, Grande Fernando! Que maravilha encontrar seus escritos por aqui.Bela estreia! Abraço!
    29 março, 2012 as 17:34
  4. Allan, Duarte, Se as árvores mais importantes não podem ser vista a olho nu pode-se ao menos apreciar ao fechar os olhos caro amigo, como um “gole de água no escuro”. bela narrativa!
    2 abril, 2012 as 11:11

Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook