Desenhos retocados


Cientistas anunciam
nada mais
nada menos
que a morte do nada

não é que não haja nada
é o contrário:
não há O nada

se é assim
se algo sempre ocupa o espaço
até do que partiu
o que explica
tanta falta, esse vazio?

.

 

BALONISMO

É preciso gás
e é preciso algo mais. Soltar peso a peso
como quem da sombra, aos poucos, se desfaz.

É preciso vento
(é preciso menos). Prescindir da espera,
despir-se das horas, preservar o tempo.

É preciso alento
maciez de gente, olhares bem ali –
ali no ar quente: leveza pra subir.

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***


NOVA CONJUGAÇÃO

eu era
tu Eros

.

***

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A QUATRO MÃOS
.

Vejo tuas mãos com algum assombro, mãe
tuas mãos pequenas, não do teu tamanho
vejo tuas veias, mãe, vias de sonhos
vias de sombras, saliente estrondo

Que fazem elas, mãe, tuas mãos vencidas
de tempo e guerra, menos mãos, mais manchas?
Quem manda nelas, hoje que descansas
as mãos do peso de me erguer criança?

Vejo tuas mãos com estranhamento e susto
há certos sulcos nos dorsos de dores
marcas nos pulsos presos por doutores
pois mãos arrancam sondas, pontos, soros

Lembro das costas de tuas mãos no rosto
do pai sorriso após a pescaria.
Tuas mãos tentáculos e salva-vidas
no extremo de meus braços, quem diría

.

***

Porque o silêncio
pode não ser mais do que surdez
talvez

Porque o desejo não definha
apenas migra

filho pródigo – quando em vez

Porque você pode desistir
da solução e da rima
nunca da poesia

Porque nem sempre que está claro
é dia

fevereiro tem 28 noites
e ninguém vai devolver as outras duas

Porque o bem é bissexto
o mal pode não ser puro
mas meio a meio e todo ano
já é demais para quem sonha

Porque há porquês em latência
porque há insuficiência

perguntamos.

 

 

.

[Ilustrações: Pena Cabreira]

 

 

 

 

 

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Laís Chaffe idealizou e está à frente do projeto Cidade Poema (www.cidadepoema.com), que vem levando poesia às ruas e a espaços públicos de Porto Alegre desde 2009. Escreveu Medusa (poemas infantis, Casa Verde, 2011), Instante Estante – Laís Chaffe (poemas, Castelinho Edições, 2011), Minicontos e muito menos (Casa Verde, Série Lilliput, 2009) e Não é difícil compreender os ETs (AGE, 2002, 112p). Também é diretora, roteirista e produtora executiva do documentário Canto de cicatriz (38min, 2005); roteirista e diretora (com Gustavo Brandau) do curta-metragem Identidade (15min, 2002); e roteirista e produtora executiva do curta Colapso (15min, 2004). E-mail: lchaffe@gmail.com




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